Direito Tributário Empresarial

É o presente para arquivar, e a quem interessar tornar disponível, algumas divagações no campo do Direito Tributário Empresarial, da Filosofia e outras áreas afins. Lauro Arthur G. S. Ribeiro - Advogado, Professor Substituto (UFPR - 2005/2006) Correções, críticas, sugestões: lauro.r@gmail.com

sábado, agosto 07, 2010

O conceito de conhecimento e de ciência – de Platão a Lakatos

Platão (427-347 a.C.) definia conhecimento como uma crença verdadeira e justificável. Nesse contexto dizia Platão que o conhecimento tem que ser daquilo que é plenamente, o que significa que não podemos ter, de fato, conhecimento do mundo dos sentidos. O conhecimento deve concernir às idéias, aos objetos que não mudam e perecem: que são plenamente o que são. Platão dividiu então a realidade em dois reinos, o mundo físico do vir-a-ser e o mundo do ser constituído por idéias eternas e perfeitas (Law, 2009 p. 247).
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Aristóteles (384-322 a.C.), discípulo de Platão, apoiava-se na lógica silogística para a argumentação perfeita (Omnés, 1996 p. 34) ao mesmo tempo em que questionava seu mestre sobre a impossibilidade de ser alcançado o conhecimento através dos sentidos. Aristóteles privilegiava, então, um caráter mais empírico (as investigações gradativas do cientista). Pode-se dizer, para diferenciar o entendimento do mestre e do discípulo, que para Platão a matemática era o paradigma do conhecimento ao passo que Aristóteles atentava para a variedade dos fenômenos do mundo (Law, 2009 p. 249).
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São Tomás de Aquino (1225-1274), fortemente influenciado por Aristóteles, tentou conciliar o ensinamento cristão com o que entendia serem os dois caminhos para a aquisição de conhecimento: o raciocínio com base nas evidências colhidas no mundo à nossa volta (as investigações gradativas do cientista) e a revelação. Traçou então a divisão entre a teologia “natural” (idéia aristotélica da aquisição do conhecimento através dos sentidos) e “revelada”. Para São Tomás de Aquino “cada coisa tem uma essência ou característica definidora que faz dela o que é. Mas a questão de o que alguma coisa é, a questão da sua essência, é diferente da de se ela é” e para tanto cita o exemplo de um unicórnio, que todos sabem ser um cavalo de chifres, mas que ninguém prova sua existência (Law, 2009 p. 266).
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Francis Bacon (1561-1626), refutando Aristóteles e seus seguidores, pregava que o verdadeiro conhecimento só poderia ser adquirido por aquele que se livrasse de preconceitos e predisposições, devendo encontrar elementos comuns nas análises dos fenômenos (experiências), descartando relações acidentais para viabilizar a formação de princípios inclusivos e assim chegar às formas ou leis do mundo físico (Losee, 1977 p. 64). A atenção deveria ser dada aos fatos (e não a teorias advindas exclusivamente das mentes dos escolásticos – seguidores de Aristóteles); os dados deveriam ser colhidos mediante experimentação para só depois se buscar as regularidades e para serem formuladas hipóteses, que seriam submetidas a testes e experimentos, que então indicariam as leis da natureza - esse o sistema indutivo (Law, 2009 p. 274).

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Descartes (1596-1650), refutando Bacon, entende que a razão deveria substituir a experiência como fundamento para o conhecimento, sendo que o pensamento precede a existência e por esta razão é a reflexão que oferece o método pelo qual a compreensão pode ser alcançada (Descartes p. Parte IV). Descartes entendia que os sentidos não eram confiáveis na medida em que podiam ser “enganados” e que somente princípios básicos indubitáveis seriam a base para um efetivo conhecimento. A primeira certeza que teve, considerado esse seu modo de obtenção do conhecimento, era de que, quer estivesse sendo enganado ou não pelos sentidos, o ser humano ao pensar demonstrava sua existência e daí a expressão “penso, logo existo”. Descartes entendia que as mentes não são determinadas, em face da capacidade de reação às circunstâncias de maneiras imprevisíveis, daí porque propôs que, “embora o mundo material deva ser reduzido à ciência matemática, a alma humana requer uma ciênca própria”.

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David Hume (1711-1776), atacando os fundamentos da epistemologia moderna encontra inconsistência no conhecimento por indução em face da fragilidade do fenômeno causal (achar a verdade em face de proposições gerais) eis que estas apesar de explicar alguns eventos não abrangeriam a totalidade dos fenômenos possíveis (Losee, 1977 p. 44). Por maior que fosse o número de casos de uma generalização que observemos, ele (o método indutivo) é “incapaz de confirmar uma hipótese sendo tão racional rejeitá-la quanto aceitá-la” (Law, 2009 p. 332).

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Kant (1724-1804), influenciado por Hume, busca resolver o problema epistemológico separando o que era a coisa e o fenômeno. Para Kant somente o fenômeno seria passível de compreensão, mas não a coisa, já que analisamos o mundo a partir de “categorias” a priori de nosso “espírito”. O conhecimento não emanaria do objeto, mas sim da construção que faz o observador a partir do seu conhecimento (Losee, 1977 p. 108). Para Hume o conhecimento efetivo do mundo depende da experiência sensorial, e isso limitaria o conhecimento humano. Kant, buscando superar essa limitação, constrói a teoria segundo a qual podemos descobrir verdades significativas sobre a realidade “a priori” examinando as condições de possibilidade de nossa experiência. “Em vez de fazer a pergunta tradicional – nosso conhecimento reflete precisamente a realidade? – Kant pergunta como a realidade reflete nossa cognição.”. A partir, então, da ordenação pela mente das experiências, é possível, através da razão, “descrever a estrutura que a experiência deve assumir e assim descobrir verdades universais sobre nosso mundo” (Law, 2009 p. 296).

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John Stuart Mill (1806-1873) em uma postura menos abstrata do que a de Kant, consagra o processo indutivo e afirma que este tanto é a “ferramenta” certa para as operações de descoberta quanto para a prova das proposições. Tal pensamento de Mill era baseado no pressuposto de regularidade da natureza. Em sua obra, Sistema de Lógica Mill chega a propor que as leis da indução são a base da descoberta das leis causais esperando, inclusive, poder aplicar os princípios científicos aos fenômenos sociais e assim encontrar as causas dos eventos (Law, 2009 p. 309). Tais pensamentos sofreram com a descoberta da teoria da relatividade e da mecânica quântica. Tais descobertas fragilizaram a melhor teoria indutiva (a newtoniana) que era baseada no indutivismo, pois tanto a relatividade quanto a mecânica quântica provaram que a teoria indutiva era, em verdade, incompleta (Couvalis, 1999 p. 4).

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Buscando salvar o método indutivo e o empirismo, filósofos como Carnap, Schlick e Ayer, membros da escola chamada Círculo de Viena, baseados na matriz lógica de Bertrand Russel e Gottlob Frege defendiam que uma proposição somente possuiria significado epistemológico se pudesse ser verificada sua ocorrência. Por esse movimento, conhecido como positivismo lógico, o conhecimento estaria restrito ao que pudesse ser empiricamente comprovado e daí a rigorosa eliminação da metafísica (Losee, 1977 p. 164 e ss).

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Edmund Husserl (1859-1938) foi o fundador do chamado movimento fenomenológico. A fenomenologia propõe-se a descrever o modo como o mundo aparece para a consciência, sem nenhum pressuposto sobre o mundo além dela. Para Husserl:


A consciência é sempre consciência de alguma coisa, e essa “intencionalidade” tornou-se o eixo de sua nova metodologia filosófica, a “fenomenologia”, que envolve uma descrição pura dos conteúdos da experiência consciente. Devemos suspender a crença no mundo natural e todas as suposições que ela produz para a experiência. Assim podemos examinar o conteúdo essencial da experiência e sua estrutura intencional e, logo, descrever a intuição pela mente das essências dos objetos de experiência. (Law, 2009 p. 319)

A obra de Husserl influenciou sobremaneira Martin Heidegger (1889-1976). Para este filósofo a tradição filosófica ocidental desde os gregos esqueceu a questão do ser e interessou-se apenas pelo presente (ignorando as dimensões temporais “passado” e “futuro”). Heidegger tinha por objetivo reabrir a questão do que é ser, “explorando como enfrentamos nossa própria existência e a maneira como o mundo aparece para nós.” (Law, 2009 p. 329)

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Karl Popper (1902-1994), abandonando o método indutivo como fundamento para a ciência, propôs que as teorias são o resultado de uma tendência humana em impor ordem ao mundo e, portanto, são sempre criações da mente. Assim estariam separados dois momentos, o de criar uma teoria e o de validá-la, sendo relevante para a filosofia da ciência somente o segundo (Popper, 1998 p. 429). Popper afastou a premissa que a veracidade dos fundamentos definia a racionalidade do conhecimento exatamente porque o cientista não descobre coisas, mas sim as formula. Pelo pensamento de Popper uma teoria, “para ser genuinamente científica, deve ser passível de refutação, pois uma teoria que não pode ser refutada não faz uma afirmação” (científica) “sobre o mundo.” (Law, 2009 p. 332).

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Thomas S. Kuhn (1922-1996) refutou de uma forma geral as teorias de seus antecessores pois estas não conseguiriam dar solução à demonstração de desenvolvimento científico. Para Kuhn a simples identificação da hipótese científica não levaria ao desenvolvimento científico e, daí, seria a ciência condenada à estagnação (Curd, et al., 1999 p. 68). Kuhn entendia que a partir do momento em que uma ciência atingia a estagnação, que se caracterizava pelo acúmulo de questões não respondidas em função do uso de um determinado método, desencadeava-se uma crise em que novos paradigmas competiam para assumir “o comando” a partir dos antigos. (Law, 2009 p. 341)

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Jaques Derrida (1930-2004) entende que os textos filosóficos tem sua força dependente do uso de estratagemas figurativos e retóricos quanto de argumentação rigorosa. Assim sendo a metafísica ocidental “é movida por um desejo de levar plena e imediatamente à mente conceitos como essência, fim, verdade etc. Na frustração inevitável do desejo de ancorar o significado nesses termos residem as sementes da própria “desconstrução” do texto”. (Law, 2009 p. 344)

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Lakatos (1922-1974), refutando Kuhn e buscando avançar nas idéias de Popper (com o qual conviveu na London School of Economics), entende que a epistemologia não deveria partir de teorias isoladas (formulações isoladas - Popper), mas sim de um conjunto de teorias. Segundo Lakatos o cientista deve fazer uma escolha racional a favor de grupos de torias que impliquem em evolução do conhecimento, descartando os que impliquem em degeneração (Blaug, 1990 p. 38).

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A evolução dos conceitos de “conhecimento” e “ciência”, descrita acima, referenciada inicialente ao pensamento de Platão e seguindo encadeada até a construção filosófica dos autores do final do século XX, bem indica a dinamicidade da ciência enquanto tal. Muito provavelmente, se buscssemos uma definição científica de qualquer conceito no tempo (de Platão até o fim do século XX), e de acordo com a evolução dos pensamentos, teríamos, também diferentes conceitos, críticas e melhoramentos no conceito científico pretendido.

1 Comments:

Anonymous Anônimo said...

nao fala sobre ciencia

11:28 AM  

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