Direito Tributário Empresarial

É o presente para arquivar, e a quem interessar tornar disponível, algumas divagações no campo do Direito Tributário Empresarial, da Filosofia e outras áreas afins. Lauro Arthur G. S. Ribeiro - Advogado, Professor Substituto (UFPR - 2005/2006) Correções, críticas, sugestões: lauro.r@gmail.com

domingo, março 15, 2009

Algumas reflexões sobre os aspectos funcionais da estrutura do sistema normativo contábil

O momento atual de pretendida convergência de normas contábeis, e sua aplicação uniforme, padecem da construção de artefatos científicos facilitadores para o alcance dos objetivos pretendidos, dentre eles o estudo da relação entre as espécies de normas contábeis editadas pelo IASB.
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São dois os momentos a serem considerados para que se chegue a uma aplicação uniforme. O primeiro, que é a imposição de normas contábeis comuns pelo IASB, e suas posteriores traduções, onde se buscam equivalentes semânticos em diferentes idiomas para determinados fatos econômicos e contábeis, já vem se desenvolvendo com relativo sucesso. Porém a norma redigida enquanto tinta lançada ao papel será objeto de análise por alguém, que não seu “criador”, para sua interpretação e aplicação. Esse é o segundo momento.
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A apontada dualidade redação/interpretação também vem sendo claramente apontada como relevante pelos entes reguladores que acompanham o processo de convergência. A Securities and Exchange Commission no Release 33-8831, p. 26 assim se manifesta:
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In February 2000, the Commission issued a Concept Release on International Accounting Standards, seeking public comment on the elements necessary to encourage convergence towards a high quality global financial reporting framework while upholding the quality of financial reporting domestically. In that release, the Commission described high quality standards as consisting of a “comprehensive set of neutral principles that require consistent, comparable, relevant and reliable information that is useful for investors, lenders, and creditors, and others who make capital allocation decisions.” The Commission also expressed the view that high quality standards are rigorously interpreted and applied.
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Justifica-se, então, a busca de soluções para esse segundo momento, de interpretação. É importante, no presente momento, que a ciência contábil viabilize artefatos e conceitos com embasamento científico, orientados à busca do reconhecimento dos aspectos funcionais das normas internacionais, naquilo que seja comum a todos os contadores que a interpretarão, independentemente do país em que se encontrem, bem como na busca de critérios que orientem os contadores a buscar a definição de uma interpretação (e aplicação) comum naquilo que não haja consenso em face de diferenças culturais, de valores pessoais ou sociais, e mesmo decorrentes da limitação de auto-regulamentação em face da imposição de legislação local cogente.
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Afora a questão da convergência na redação, interpretação e aplicação das normas internacionais, tem-se ainda a questão doutrinária local que se poderá beneficiar dos resultados de um eventual consenso sobre estes artefatos. É que a doutrina e a redação das normas utilizadas no Brasil também padecem do reconhecimento desses aspectos funcionais das normas contábeis.
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No que diz respeito à doutrina que trata da teoria da contabilidade, utilizada nas faculdades brasileiras, é possível citar a divergência envolvendo Sérgio Iudícibus (2006) e Hendriksen (1999). Enquanto Hendriksen afirma que (1999, p. 83) “a busca de princípios (...) tem sido demorada, frustrante e até mesmo inútil, na opinião de algumas pessoas” e que “não existe consenso quanto ao que constitui um princípio, como os princípios de relacionam a postulados, ou se princípios ou postulados podem ser usados para gerar padrões contábeis”, vê-se que Iudícibus (2006, p. 60 a 73) enumera taxativamente três princípios contábeis, a saber: do custo como base de valor, da realização da receita e da confrontação com as despesas e do denominador comum monetário.
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Ambos, então, falam sobre princípios, postulados, normas e regras contábeis, porém sem uniformidade quanto ao que dá identidade a cada uma dessas expressões e mesmo seus aspectos funcionais. Dessa falta de consistência doutrinária sobre a definição dos aspectos funcionais, de cada espécie de norma, é razoável crer que decorra uma fragilidade em determinado grau no trato dos aspectos operacionais e práticos das mesmas pelos alunos, que enquanto profissionais, egressos das faculdades, não compartilham um mesmo entendimento sobre os aspectos funcionais das normas.
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Tem-se ainda exemplo no campo da normatização, pelo CFC. Exemplo do que aqui se afirma é a Resolução CFC n. 530/81, que aprovou a NBC-T1. Dita Norma Brasileira de Contabilidade continha em si os Princípios Fundamentais de Contabilidade. Nesse regulamento os princípios contábeis eram espécies de normas.
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Já a Resolução 750/93, do mesmo CFC, que revogou a Resolução 530/81, diz que “A observância dos Princípios Fundamentais de Contabilidade é obrigatória no exercício da profissão e constitui condição de legitimidade das Normas Brasileiras de Contabilidade”. Nesse novo regulamento a validade e legitimidade das Normas Brasileiras de Contabilidade eram condicionadas à observância dos Princípios Fundamentais de Contabilidade.
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Não há consenso no CFC, sob o aspecto funcional, se “normas” é um gênero ao qual a espécie “princípio” pertence, ou se ela (norma) se submete, em condição de validade, aos princípios. Basta imaginar agora a aplicação da doutrina de Hendriksen (1999), que afirma ser questionável a existência de princípios, e poder-se-ia questionar então a que estaria condicionada a validade das normas contábeis brasileiras.
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Ainda, e não menos importante, sabe-se que as pesquisas acadêmicas atuais na área da contabilidade, em especial as quantitativas, fazem uso de amostras de dados gerados e decorrentes não somente da simples existência de normas, mas, sim, da sua interpretação e decorrente aplicação pelos contadores. O sucesso do processo de convergência no plano da aplicação das normas contábeis, com a geração de dados comparáveis e de mesma identidade, é que determinará a viabilidade da afirmação de serem dados de uma amostra colhida em diferentes países pertencentes a uma mesma categoria científica. Basta imaginar o que seria uma pesquisa quantitativa, que utilize em comparação dados de ativos de duas empresas observadas, onde um controller, de um determinado país, tenha um entendimento de fair value completamente diferente de outro, de região distinta, submetido a um diverso ambiente cultural. Estar-se-iam comparando dados de igual conteúdo e identidade? Por óbvio que não.
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É nesse contexto que se pode afirmar que é da uniformidade da aplicação e interpretação dessas normas que se determinará, também, uniformidade dos dados e a possibilidade de compará-los. Da legitimidade substantiva da fonte (dados constituídos) é que decorrerá a validade científica das conclusões deles hauridas em pesquisas e análises gerenciais.

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