Do parcelamento parcial na MP 303/06
Do Princípio da Moralidade Pública
Não pode o Estado lançar mão de falsa interpretação da norma, oficialmente publicada para enganar e iludir o contribuinte, fazendo com que o mesmo (contribuinte) pratique atos de seu interesse (do Estado).
Bem por isso soa estranho que o mesmo Estado que editou medida provisória 303/06 e a interpreta expressamente em regulamento (Portaria Conjunta PGFN/SRF nº 002, de 20 de julho de 2006, DOU de 25.7.2006), depois de obter a desistência das impugnações e ações, inverta seu entendimento, negue a CND – Certidão Negativa de Débito, ou CPDEN – Certidão Positiva de Débitos com Efeito de Negativa, e declare o débito não suspenso e passível de execução.
Ocorre que é exatamente isso que está a ocorrer nas Delegacias da receita Previdenciária, que vem negando as certidões em casos de parcelamento parcial dos débitos que poderiam ser incluídos no parcelamento extraordinário “REFIS” 3 ou “PAEX”
A res publica não admite tal desdém, na medida que a prática de atos desta natureza, verdadeiros golpes na crença de que um dia pode existir segurança jurídica no Estado brasileiro, só podem inferir em vergonhosa afronta à moralidade pública.
Os departamentos jurídicos das empresas, pequenas ou grandes, necessitam confiar naquilo que é oficial para dar seus pareceres. Se não se pode confiar no regulamento que emana do Estado, porque então confiaríamos nas medidas provisórias que emanam de idêntica fonte.
O Estado deve cumprir, por dever moral e para preservar a crença de que existe uma ética tributária mínima dos entes fiscais, com suas manifestações expressas acerca de suas interpretações.
Ir contra isso, utilizando veículos oficiais para, após as desistências de recursos e ações, viabilizar a perpetração de coação (execução fiscal, penhora etc.) contra as empresas, que acreditaram nos atos oficiais e seguiram suas expressas instruções, é colocar em risco a existência do próprio Estado, na medida em que é condição de existência do mesmo (Estado) que os cidadãos acreditem no valor das normas emanadas deste!
Em face do imperativo categórico Kantiano, que pregava que a verificação da moralidade deve ser feita através da verificação da atitude e se essa (atitude) pode ser elevada à condição de lei universal, resta escancarada a violação à ética pública no caso sob comento, na medida que se for verdade que o Estado pretendia a desistência total como requisito para deferir o parcelamento, ao publicar norma em sentido contrário (e isso jamais pode ser levado à categoria de lei universal) nada mais fez do que trair os contribuintes, fazendo-os incidir em erro.
E daí a necessária intervenção do Poder Judiciário para reverter o indeferimento do processamento do parcelamento requerido e viabilizar a expedição de CND – Certidão Negativa de Débito ou CPDEN – Certidão Positiva de Débitos com Efeito de Negativa, sob pena de, em assim não agindo, permitir uma situação de fato que pode levar a sociedade à anarquia (descrença completa nas normas editadas pelo Estado).
Dos critérios de interpretação da norma (MP 303/06)
Diz Tércio Sampaio Ferraz Júnior que “ao disciplinar a conduta humana, as normas jurídicas usam palavras, signos lingüísticos que devem expressar o sentido daquilo que deve ser. Esse uso oscila entre o aspecto onomasiológico da palavra, isto é, o uso corrente para a designação de um fato, e o aspecto semasiológico, isto é, sua significação normativa”.
Em boa técnica jurídica e em boa hermenêutica não há dúvida que devemos buscar, sempre, o aspecto semasiológico, pouco importando uma interpretação leiga ou a análise dos signos sem rigor em face do Direito enquanto sistema.
Assim, toda a discussão tem por cerne a interpretação, sob o aspecto semasiológico, dos termos do art. 1º. da Medida Provisória 303/06, que transcrevemos a seguir:
Art. 1o Os débitos de pessoas jurídicas junto à Secretaria da Receita Federal - SRF, à Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional - PGFN e ao Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, com vencimento até 28 de fevereiro de 2003, poderão ser, excepcionalmente, parcelados em até cento e trinta prestações mensais e sucessivas, na forma e condições previstas nesta Medida Provisória.
§ 1o O disposto neste artigo aplica-se à totalidade dos débitos da pessoa jurídica, ressalvado exclusivamente o disposto no inciso II do § 3o deste artigo, constituídos ou não, inscritos ou não em Dívida Ativa da União ou do INSS, mesmo que discutidos judicialmente em ação proposta pelo sujeito passivo ou em fase de execução fiscal já ajuizada, inclusive aos débitos que tenham sido objeto de parcelamento anterior, não integralmente quitado, ainda que cancelado por falta de pagamento.
§ 2o Os débitos ainda não constituídos deverão ser confessados, de forma irretratável e irrevogável.
§ 3o O parcelamento de que trata este artigo:
I - aplica-se, também, à totalidade dos débitos apurados segundo o Sistema Integrado de Pagamento de Impostos e Contribuições das Microempresas e Empresas de Pequeno Porte - SIMPLES; inclusive os tributos e contribuições administrados por outros órgãos federais, entidades ou arrecadados mediante convênios.
II - somente alcançará débitos que se encontrarem com exigibilidade suspensa por força dos incisos III a V do art. 151 da Lei no 5.172, de 25 de outubro de 1966 - Código Tributário Nacional (CTN), no caso de o sujeito passivo desistir expressamente e de forma irrevogável da impugnação ou do recurso interposto, ou da ação judicial proposta, e cumulativamente renunciar a quaisquer alegações de direito sobre as quais se fundam os referidos processos administrativos e ações judiciais;
III - a inclusão dos débitos para os quais se encontrem presentes as hipóteses dos incisos IV ou V do art. 151 do CTN fica condicionada à comprovação de que a pessoa jurídica protocolou requerimento de extinção do processo com julgamento do mérito, nos termos do inciso V do art. 269 da Lei no 5.869, de 11 de janeiro de 1973 - Código de Processo Civil (CPC).
§ 4o Havendo ação judicial proposta pela pessoa jurídica, o valor da verba de sucumbência, decorrente da extinção do processo para fins de inclusão dos respectivos débitos no parcelamento previsto no caput, será de um por cento do valor do débito consolidado, desde que o juízo não estabeleça outro montante.
§ 5o O parcelamento da verba de sucumbência de que trata o § 4o deverá ser requerido pela pessoa jurídica perante a PGFN ou a Secretaria da Receita Previdenciária - SRP, conforme o caso, no prazo de trinta dias, contado da data em que transitar em julgado a sentença de extinção do processo, podendo ser concedido em até sessenta prestações mensais e sucessivas acrescidas de juros correspondentes à variação mensal da Taxa de Juros de Longo Prazo - TJLP, a partir da data do deferimento até o mês do pagamento, observado o valor mínimo de R$ 50,00 (cinqüenta reais) por parcela.
§ 6o A opção pelo parcelamento de que trata este artigo importa confissão de dívida irrevogável e irretratável da totalidade dos débitos existentes em nome da pessoa jurídica na condição de contribuinte ou responsável, configura confissão extrajudicial nos termos dos arts. 348, 353 e 354 do CPC e sujeita a pessoa jurídica à aceitação plena e irretratável de todas as condições estabelecidas nesta Medida Provisória. (grifo nosso)
Dos indeferimentos de processamento vemos a razão, o motivo, de expedição do ato administrativo que é a não desistência da totalidade das ações e impugnações administrativas manejadas em face de débitos em discussão nas respectivas esferas.
A questão, portanto, é saber se a expressão “totalidade dos débitos existentes” (constante do art. 1º. Da MP 303/06), sob o aspecto técnico-jurídico, seu aspecto normativo, equivale, é sinônimo técnico, da expressão “totalidade das autuações lavradas pelo fiscal”
Para viabilizar a análise da hipótese, poderíamos assim identificá-la: a disposição constante do art. 1º. Parágrafo 6º. Da MP 303/06, de que a adesão ao parcelamento implica na confissão da totalidade dos débitos existentes, pode ser entendida de maneira a fazer equivaler tecnicamente “lançamentos constantes de uma autuação fiscal” em “débito existente”?
Para responder essa questão não se pode afastar a necessária observância da interpretação literal.
Diz, o art. 111 do Código Tributário Nacional, in verbis:
Interpreta-se literalmente a legislação tributária que disponha sobre:
I - suspensão ou exclusão do crédito tributário;
II – (...);
III – (...).
O Superior Tribunal de Justiça tem decisões que sufragam esse entendimento, conforme segue:
Processo REsp 490685 / PR ; RECURSO ESPECIAL
Relator: Ministro LUIZ FUX (1122)
Órgão Julgador T1 - PRIMEIRA TURMA
Data do Julgamento 02/09/2003
Data da Publicação/Fonte DJ 24.11.2003 p. 220
Ementa
TRIBUTÁRIO. SALÁRIO-EDUCAÇÃO. INSCRIÇÃO NO PROGRAMA DE RECUPERAÇÃO FISCAL (REFIS). FINALIDADE DO PROGRAMA. SUSPENSÃO DA EXIGIBILIDADE DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO PARCELAMENTO DOS DÉBITOS FISCAIS. FUNÇÃO SOCIAL.
1. As disposições que regem o ingresso da empresa devedora junto ao REFIS prevêem que as exações em débito sejam administradas pela Secretaria da Receita Federal ou pelo Instituto Nacional do Seguro Social.
2. O salário-educação é uma contribuição arrecadada e fiscalizada pelo INSS. Compete à autarquia previdenciária a retenção de 1% (um por cento), à título de taxa de administração, do montante recolhido de referida exação incumbindo-lhe o repasse do restante ao FNDE.
3. O parcelamento do débito tributário é modalidade de suspensão do crédito tributário, a teor do novel inciso VI, do art. 151, do CTN, introduzido pela LC n.° 104/2001.
4. Interpreta-se literalmente a legislação que verse sobre a suspensão do crédito tributário (art. 111, I, do CTN), motivo pelo qual, dentre as interpretações gramaticais possíveis o hermeneuta deve escolher pela mais razoável, a que se coadune com a finalidade da norma.
5. A ratio essendi das disposições que disciplinam o REFIS têm natureza dúplice no sentido de que fomentam o adimplemento das obrigações tributárias e permitem ao Estado o recebimento, mesmo que parcelado, de seus créditos fiscais.
6. Deveras, é preciso atentar que toda e qualquer estratégia que propicie o ingresso de fundos na tão deficitária Receita Pública é sobremodo superior ao sacrifício patrimonial dos devedores, cujo patrimônio expropriado, em regra, não suporta a satisfação das obrigações tributárias.
7. Recurso especial conhecido e provido.
A questão, portanto é deveras simples: saber o que significa literalmente e sob o aspecto semasiológico a expressão “totalidade dos débitos existentes” constante do § 6º. do art. 1º. da Medida Provisória 303/06
Do conceito de débitos existentes em matéria tributária – a necessidade da preclusão da discussão administrativa
A autuação fiscal não constitui em definitivo o débito tributário. Tão somente gera a expectativa para a administração pública de que um dia, após os devidos trâmites processuais, venha ele (o débito) a existir.
O Ministro Sepúlveda Pertence assim discorreu sobre a definitividade da constituição e existência do crédito tributário (HC 81611 – caso da decisão definitiva em processo administrativo para legitimar a representação fiscal para fins penais);
Da disceptação dos tributaristas em torno da natureza do lançamento - embora me valha predominantemente de passagem da admirável reconstrução teórica do tema por Alberto Xavier -, extraio apenas alguns pontos consensuais, que independem do ponto de partida teórico e aos quais, de resto, o Cód. Tributário Nacional não permite fugir.
51. O primeiro é - embora se conceda, ao gosto dos “declarativistas” e a teor do art. 113 CTN que “a obrigação tributária principal surge com a ocorrência do fato gerador” - que o lançamento - ou, se for o caso, a sua ratificação ou alteração “em virtude de impugnação do sujeito passivo” (CTN, art. 145, I), na decisão final do procedimento administrativo - desempenha função de acertamento da existência e do conteúdo da mesma obrigação.
52. O que, aliás, é próprio de todo ato declaratório, como enfatiza um “declarativista” assumido, o il. Ruy Barbosa Nogueira, até porque, a rigor, como anota o mestre Souto Maior Borges, “uma eficácia jurídica puramente declaratória corresponderia a algo paradoxal”.
53. “A relação jurídica tributária, tal como nasce da lei” - aclara Alberto Xavier - à luz de sua teoria do lançamento como título jurídico-abstrato do crédito tributário -, “é ontologicamente certa, no sentido de que, no mundo do direito, ela se constitui imediatamente com a configuração que lhe traça a norma tributária material. (...) Mas o fato de a obrigação tributária ser, em si mesma, certa, não impede que quanto a ela se gere uma situação de incerteza”. Não importa, aduz, a mera incerteza subjetiva: “como fundamento da abstração e do efeito preclusivo encontra-se, sim, a incerteza objetiva, resultante da simples potencialidade de uma contestação, de um conflito de apreciação quanto à existência e conteúdo da obrigação”.
54. “O lançamento foi assim concebido pela lei” - conclui - “como uma forma de remoção ou eliminação da incerteza objetiva que impende sobre a obrigação tributária...”.
55. A fortiori, essa função do lançamento ganha relevo na teoria de Souto Maior Borges, que - na trilha de Kelsen – divisa no ato a criação da norma individual da obrigação tributária concreta, fundada na “obrigação tributária de caráter geral e abstrato nascida com a ocorrência do fato jurídico-tributário”, mas sempre inovadora e, pois, com “carga de constitutividade” em relação a ela.
56. “Antes do lançamento” - assinala, em conseqüência -, “não há débito, obrigação individualizada e concretizada; há tão só uma relação entre o dever jurídico do sujeito passivo (contribuinte ou responsável) e o dever do fisco, que se define como um poder-dever, de realizar o lançamento”.
57. Dessa necessidade de acertamento ou concretização da existência e extensão dela é que arranca a distinção no Cód. Tributário - que ainda assusta aos que apreendemos com os civilistas a essencial bilateralidade das relações obrigacionais - entre a obrigação tributária - que “surge com a ocorrência do fato gerador” (CTN, art. 113, § 1º) - e o crédito tributário - que “compete privativamente à autoridade administrativa constituir (...) pelo lançamento” (CTN, art. 142).
58. Em segundo lugar, conspiram os tributaristas, no interregno de suas desinteligências teóricas, em que a eficácia preclusiva é um dos instrumentos com os quais opera o lançamento para realizar sua função de acertamento definitivo, na órbita administrativa, da existência, individualização e quantificação do crédito tributário (13).
59. Efeito preclusivo que, como é sabido, se manifesta – no que interessa - contra a administração, pela impossibilidade de revisão do lançamento, em desfavor do contribuinte, salvo hipóteses legais, restritas e taxativas (CTN, arts. 145, III e 149).
60. “No que concerne às garantias no interesse e da iniciativa da Administração” - disserta a propósito Alberto Xavier (14) - “a lei submeteu os poderes de revisão do lançamento de ofício a duas ordens de limite: limites temporais respeitantes ao prazo dentro do qual a revisão pode ser legitimamente efetuada, e limites objetivos, respeitantes aos fundamentos que podem ser invocados para proceder à revisão”.
61. “Assim” - conclui -, “esgotado o prazo de decadência ou não existindo fundamento legítimo de revisão, o lançamento torna-se irrevisível ou imodificável pela Administração, operando-se assim a sua eficácia preclusiva e a prevalência da relação jurídica abstrata”.
62. O mesmo é dizer - escusado é demonstrá-lo - se, impugnado pelo contribuinte, a decisão final do procedimento administrativo do lançamento termina por desconstituí-lo, declarando a inexistência do crédito.
63. Daí - malgrado a impropriedade conceitual glosada por Xavier - a freqüência com a qual se alude, na caracterização da hipótese, a verdadeira “coisa julgada a favor do contribuinte”, para frisar a definitividade, contra a Administração, da decisão final do procedimento administrativo, quer no tocante ao conteúdo do lançamento, quer, se for o caso, quanto à inexistência da relação tributária.
64. O ponto é indagar dos reflexos penais dessa eficácia preclusiva da decisão definitiva do procedimento administrativo do lançamento, em favor do contribuinte ou contra ele.
65. Se é contra ele - de modo a reafirmar a evasão fiscal -, para não acender a grita da corrente majoritária dos “declarativistas”, que, por isso, de regra, atribuem retroatividade ao lançamento -, convém não ir até o ponto de enxergar nessa hipótese, na decisão administrativa, um elemento essencial do tipo, que só com o advento dela se consumaria.
66. (...).
71. O Cód. Tributário Nacional, posto que editado em 1966, tem-se consensualmente como recebido, no tópico, pelos subseqüentes textos constitucionais, incluído o vigente.
72. Nele, como visto - malgrado surja a obrigação tributária do fato gerador (art. 113, § 1º) - o crédito tributário só é constituído pelo lançamento - susceptível de revisão, porém, mediante “impugnação do sujeito passivo” (art. 145, III), manifestada a qual só ao termo do procedimento ou processo administrativo se terá por definida a existência e o conteúdo da relação tributária (...)
Na forma exposta pelo E. Ministro, no que foi acompanhado no julgamento sob comento por seus pares, só se reputa existente um crédito tributário quando encerrado o processo administrativo e atingida a preclusão administrativa.
Tecnicamente, ou seja, sob o aspecto semasiológico, não há a menor dúvida de que a expressão débito tributário existente, ou seja, definitivamente lançado, ou imutável para a administração, não se confunde com uma autuação fiscal.
Essa conclusão é relevante, na medida em que a existência do débito tributário é pressuposto obrigatório para seu parcelamento. Em outras palavras, é antecedente lógico obrigatório de parcelamento a constituição definitiva do débito tributário.
Daí salta aos olhos o óbvio ululante: é necessário considerar existente um crédito para que se o parcele!!!
O que se parcela é débito tributário definitivo!! Bem por isso que é necessário que se confesse voluntariamente o débito antes, para o seu posterior parcelamento.
Não se parcela autuação de fiscal (já que esta não implica na existência de um débito tributário definitivo e existente, conforme o Min. Sepúlveda Pertence – HC 81611).
Assim, o parágrafo 6º. do art. 1º. Da MP 303/06 fala sobre o óbvio: a adesão ao parcelamento gera a “confissão de dívida irrevogável e irretratável da totalidade dos débitos existentes” o que se jamais confunde com “confissão de dívida irrevogável e irretratável da totalidade das autuações pendentes”
Sob o aspecto da aplicação do CTN, art. 111 o que aqui se conclui sob o aspecto semasiológico ganha maior força já que numa interpretação literal menos ainda se pode confundir o que seja totalidade dos débitos existentes com o eventual conteúdo normativo/literal do que seja totalidade das autuações pendentes.
Para finalizar esse item basta dizer que o erro cometido pelo INSS é interpretar o que seja débito existente por um aspecto não técnico, onomasiológico. O fato de um processo administrativo tratar da possibilidade de constituição de um débito fiscal, e ser chamado no âmbito do INSS de DEBCAD, uma terminologia parajurídica, leiga, não permite que seja, enquanto processo, considerado um debito definitivamente constituído, ou existente.
Bem por essas alegações é que se pode concluir que mesmo apesar da desastrada tentativa de interpretar a norma de forma a forçar uma confissão da totalidade do débito, o que apenas conseguiu o INSS foi causar desnecessário tumulto na vida empresarial de inúmeras empresas, que querem fazer valer a interpretação autêntica exarada na regulamentação editada pela SRF/PGFN.
Do entendimento da Procuradoria da Fazenda Nacional e da Secretaria da Receita Federal sobre a possibilidade de desistência parcial na MP 303/06
Como antes dito é sabido que a Medida Provisória emana do Poder Executivo. Os órgãos consultivos do Poder Executivo, em matéria fiscal, são deveras conhecidos e sempre restam consultados para a edição de normas que afetem seu mister.
Não é despropositado então reconhecer que para a edição da MP 303/06 houve efetiva intervenção da Secretaria da receita Federal e da Procuradoria da Fazenda Nacional.
Tal fato é relevante quando enfrentamos o tema da dicotomia entre o que seja uma interpretação autêntica e uma interpretação doutrinária.
Sobre o tema discorre Tércio Ferraz em seu Introdução ao estudo do Direito 4ª. Ed. p. 261/262:
Ao final de seu volume dedicado à Teoria Pura do Direito (1960), depois de ter enfrentado o problema de como estabelecer os parâmetros para uma ciência do direito enquanto teoria sistemática das normas, encontramos uma explanação sobre a interpretação jurídica que, no entanto, nos frustra, porque não fornece nenhuma base para a hermenêutica dogmática.
Nesse texto, surge a distinção entre interpretação autêntica e doutrinária. A primeira, diz ele, é a que é realizada por órgãos competentes (no sentido jurídico da expressão). A segunda, por entes que não tem a qualidade de órgãos.
Para Kelsen, quando um órgão se pronuncia sobre o conteúdo de uma norma, por exemplo, o juiz quando determina o sentido de uma lei no processo de aplicação, produz um enunciado normativo. Como qualquer norma, esse enunciado é vinculante. Isso está na base de sua discussão sobre hermenêutica. Assim, a contrario sensu, todo ente que não é órgão, ao interpretar, ainda que diga qual deva ser o sentido de uma norma, não produz um enunciado vinculante. Aquele deve-ser não tem, pois, caráter de norma. É o caso, por exemplo de um parecer jurídico ou de uma opinião doutrinária exarada em num livro.
Examinemos mais de perto o ato interpretativo. Quando se trata de órgão, ocorre uma determinação do sentido do conteúdo da norma, e essa determinação é vinculante. O órgão interpretante define-lhe o sentido. Definir, do latim finis , significa estabelecer limites, fronteiras. Essa definição, diz Kelsen, é produto de um ato de vontade. Trata-se de ‘um quero’ e não de ‘um sei’. E sua força vinculante, a capacidade de o sentido definido ser aceito por todos, repousa na competência do órgão (que pode ser o juiz, o próprio legislador quando interpreta o conteúdo de uma norma...).
É sabido que a norma do parcelamento partiu do Poder Executivo mediante a edição de Medida Provisória.
Evidente também a participação da Procuradoria da Fazenda Nacional na assessoria da Presidência da República para o caso, já que subscreve a Medida Provisória 303/06, além do Presidente da República, o próprio Ministro da Fazenda.
É evidente que os atos que partem do órgão de assessoramento para a edição da norma tem um caráter de interpretação autêntica da norma, ou, em outras palavras um “eu quero”, na forma preconizada por Kelsen e Tércio Sampaio Ferraz.
Daí porque se pode admitir que os atos regulamentares editados pela Secretaria da Receita Federal em conjunto com a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (em especial a Portaria Conjunta PGFN/SRF nº 002, de 20 de julho de 2006) são em verdade a explicitação dos efeitos desejados pelo legislador.
E é do regulamento conjunto da Secretaria da Receita Federal e Procuradoria da Fazenda Nacional que se tiram as interpretações definitivas acerca da norma, já que deste regulamento resta expressamente prevista a possibilidade de desistência parcial dos recursos e ações, in verbis:
Portaria Conjunta PGFN/SRF nº 002, de 20 de julho de 2006 (*)DOU de 25.7.2006
Data da Republicação
DOU de 01.8.2006
Dispõe sobre parcelamento de débitos para com a Fazenda Nacional, de que trata a Medida Provisória nº 303, de 29 de junho de 2006.
O PROCURADOR-GERAL DA FAZENDA NACIONAL e o SECRETÁRIO DA RECEITA FEDERAL, no uso de suas atribuições, e tendo em vista o disposto na Medida Provisória nº 303, de 29 de junho de 2006, resolvem:
Do Pagamento à Vista ou do Parcelamento, com Redução
Art. 1º Os débitos de pessoas jurídicas junto à Secretaria da Receita Federal (SRF) ou à Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) com vencimento até 28 de fevereiro de 2003, poderão ser pagos ou parcelados, excepcionalmente, no âmbito de cada órgão, na forma e condições previstas neste artigo.
§ 1º (...)
§ 3º Para opção de que trata este artigo, em relação aos débitos com exigibilidade suspensa nas hipóteses previstas nos incisos III a V do art. 151 da Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966 - Código Tributário Nacional (CTN), o sujeito passivo deverá desistir expressamente e de forma irrevogável, total ou parcialmente, até a data prevista no § 1º, da impugnação ou do recurso interposto, ou da ação judicial proposta e, cumulativamente, renunciar a quaisquer alegações de direito sobre as quais se fundamentam os referidos processos administrativos e ações judiciais.
§ 4º (...).
§ 16. A desistência prevista no § 3º, quando parcial, fica condicionada a que o débito correspondente possa ser distinguido das demais matérias litigadas.
Do Parcelamento em 130 Meses
Art. 2º Os débitos de pessoas jurídicas junto à SRF e à PGFN, vencidos até 28 de fevereiro de 2003, poderão ser parcelados em até 130 prestações mensais e sucessivas, observado o disposto nesta Portaria.
§ 1º O parcelamento abrange a totalidade dos débitos da pessoa jurídica, constituídos ou não, inscritos ou não em Dívida Ativa da União (DAU), mesmo que discutidos judicialmente em ação proposta pelo sujeito passivo ou em fase de execução fiscal já ajuizada, inclusive os submetidos a parcelamento, sob qualquer modalidade, não integralmente quitado, ainda que cancelado por falta de pagamento.
§ 2º Os débitos com exigibilidade suspensa nas hipóteses previstas nos incisos III a V do art. 151 da Lei nº 5.172, de 1966 - (CTN) somente poderão integrar o parcelamento no caso de o sujeito passivo desistir expressamente e de forma irrevogável, total ou parcialmente, até 15 de setembro de 2006, da impugnação ou do recurso interposto, ou da ação judicial proposta e, cumulativamente, renunciar a quaisquer alegações de direito sobre as quais se fundamentam os referidos processos administrativos e ações judiciais.
§ 3º (...)
§ 9º A desistência prevista no § 2º, quando parcial, fica condicionada a que o débito correspondente possa ser distinguido das demais matérias litigadas.
(...)
Art. 20. Esta Portaria entra em vigor na data de sua publicação.
LUIS INÁCIO LUCENA ADAMS
Procurador-Geral da Fazenda Nacional
JORGE ANTONIO DEHER RACHID
Secretário da Receita Federal
(*) Republicada por ter saído no DOU de 25/07/2006, Seção 1, pág. 13, com incorreção.
Daí conclui-se que o INSS – Instituto Nacional de Seguro Social, em atitude equivocada, mal interpreta a norma de parcelamento a seu (suposto) benefício.
Não pode o Estado lançar mão de falsa interpretação da norma, oficialmente publicada para enganar e iludir o contribuinte, fazendo com que o mesmo (contribuinte) pratique atos de seu interesse (do Estado).
Bem por isso soa estranho que o mesmo Estado que editou medida provisória 303/06 e a interpreta expressamente em regulamento (Portaria Conjunta PGFN/SRF nº 002, de 20 de julho de 2006, DOU de 25.7.2006), depois de obter a desistência das impugnações e ações, inverta seu entendimento, negue a CND – Certidão Negativa de Débito, ou CPDEN – Certidão Positiva de Débitos com Efeito de Negativa, e declare o débito não suspenso e passível de execução.
Ocorre que é exatamente isso que está a ocorrer nas Delegacias da receita Previdenciária, que vem negando as certidões em casos de parcelamento parcial dos débitos que poderiam ser incluídos no parcelamento extraordinário “REFIS” 3 ou “PAEX”
A res publica não admite tal desdém, na medida que a prática de atos desta natureza, verdadeiros golpes na crença de que um dia pode existir segurança jurídica no Estado brasileiro, só podem inferir em vergonhosa afronta à moralidade pública.
Os departamentos jurídicos das empresas, pequenas ou grandes, necessitam confiar naquilo que é oficial para dar seus pareceres. Se não se pode confiar no regulamento que emana do Estado, porque então confiaríamos nas medidas provisórias que emanam de idêntica fonte.
O Estado deve cumprir, por dever moral e para preservar a crença de que existe uma ética tributária mínima dos entes fiscais, com suas manifestações expressas acerca de suas interpretações.
Ir contra isso, utilizando veículos oficiais para, após as desistências de recursos e ações, viabilizar a perpetração de coação (execução fiscal, penhora etc.) contra as empresas, que acreditaram nos atos oficiais e seguiram suas expressas instruções, é colocar em risco a existência do próprio Estado, na medida em que é condição de existência do mesmo (Estado) que os cidadãos acreditem no valor das normas emanadas deste!
Em face do imperativo categórico Kantiano, que pregava que a verificação da moralidade deve ser feita através da verificação da atitude e se essa (atitude) pode ser elevada à condição de lei universal, resta escancarada a violação à ética pública no caso sob comento, na medida que se for verdade que o Estado pretendia a desistência total como requisito para deferir o parcelamento, ao publicar norma em sentido contrário (e isso jamais pode ser levado à categoria de lei universal) nada mais fez do que trair os contribuintes, fazendo-os incidir em erro.
E daí a necessária intervenção do Poder Judiciário para reverter o indeferimento do processamento do parcelamento requerido e viabilizar a expedição de CND – Certidão Negativa de Débito ou CPDEN – Certidão Positiva de Débitos com Efeito de Negativa, sob pena de, em assim não agindo, permitir uma situação de fato que pode levar a sociedade à anarquia (descrença completa nas normas editadas pelo Estado).
Dos critérios de interpretação da norma (MP 303/06)
Diz Tércio Sampaio Ferraz Júnior que “ao disciplinar a conduta humana, as normas jurídicas usam palavras, signos lingüísticos que devem expressar o sentido daquilo que deve ser. Esse uso oscila entre o aspecto onomasiológico da palavra, isto é, o uso corrente para a designação de um fato, e o aspecto semasiológico, isto é, sua significação normativa”.
Em boa técnica jurídica e em boa hermenêutica não há dúvida que devemos buscar, sempre, o aspecto semasiológico, pouco importando uma interpretação leiga ou a análise dos signos sem rigor em face do Direito enquanto sistema.
Assim, toda a discussão tem por cerne a interpretação, sob o aspecto semasiológico, dos termos do art. 1º. da Medida Provisória 303/06, que transcrevemos a seguir:
Art. 1o Os débitos de pessoas jurídicas junto à Secretaria da Receita Federal - SRF, à Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional - PGFN e ao Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, com vencimento até 28 de fevereiro de 2003, poderão ser, excepcionalmente, parcelados em até cento e trinta prestações mensais e sucessivas, na forma e condições previstas nesta Medida Provisória.
§ 1o O disposto neste artigo aplica-se à totalidade dos débitos da pessoa jurídica, ressalvado exclusivamente o disposto no inciso II do § 3o deste artigo, constituídos ou não, inscritos ou não em Dívida Ativa da União ou do INSS, mesmo que discutidos judicialmente em ação proposta pelo sujeito passivo ou em fase de execução fiscal já ajuizada, inclusive aos débitos que tenham sido objeto de parcelamento anterior, não integralmente quitado, ainda que cancelado por falta de pagamento.
§ 2o Os débitos ainda não constituídos deverão ser confessados, de forma irretratável e irrevogável.
§ 3o O parcelamento de que trata este artigo:
I - aplica-se, também, à totalidade dos débitos apurados segundo o Sistema Integrado de Pagamento de Impostos e Contribuições das Microempresas e Empresas de Pequeno Porte - SIMPLES; inclusive os tributos e contribuições administrados por outros órgãos federais, entidades ou arrecadados mediante convênios.
II - somente alcançará débitos que se encontrarem com exigibilidade suspensa por força dos incisos III a V do art. 151 da Lei no 5.172, de 25 de outubro de 1966 - Código Tributário Nacional (CTN), no caso de o sujeito passivo desistir expressamente e de forma irrevogável da impugnação ou do recurso interposto, ou da ação judicial proposta, e cumulativamente renunciar a quaisquer alegações de direito sobre as quais se fundam os referidos processos administrativos e ações judiciais;
III - a inclusão dos débitos para os quais se encontrem presentes as hipóteses dos incisos IV ou V do art. 151 do CTN fica condicionada à comprovação de que a pessoa jurídica protocolou requerimento de extinção do processo com julgamento do mérito, nos termos do inciso V do art. 269 da Lei no 5.869, de 11 de janeiro de 1973 - Código de Processo Civil (CPC).
§ 4o Havendo ação judicial proposta pela pessoa jurídica, o valor da verba de sucumbência, decorrente da extinção do processo para fins de inclusão dos respectivos débitos no parcelamento previsto no caput, será de um por cento do valor do débito consolidado, desde que o juízo não estabeleça outro montante.
§ 5o O parcelamento da verba de sucumbência de que trata o § 4o deverá ser requerido pela pessoa jurídica perante a PGFN ou a Secretaria da Receita Previdenciária - SRP, conforme o caso, no prazo de trinta dias, contado da data em que transitar em julgado a sentença de extinção do processo, podendo ser concedido em até sessenta prestações mensais e sucessivas acrescidas de juros correspondentes à variação mensal da Taxa de Juros de Longo Prazo - TJLP, a partir da data do deferimento até o mês do pagamento, observado o valor mínimo de R$ 50,00 (cinqüenta reais) por parcela.
§ 6o A opção pelo parcelamento de que trata este artigo importa confissão de dívida irrevogável e irretratável da totalidade dos débitos existentes em nome da pessoa jurídica na condição de contribuinte ou responsável, configura confissão extrajudicial nos termos dos arts. 348, 353 e 354 do CPC e sujeita a pessoa jurídica à aceitação plena e irretratável de todas as condições estabelecidas nesta Medida Provisória. (grifo nosso)
Dos indeferimentos de processamento vemos a razão, o motivo, de expedição do ato administrativo que é a não desistência da totalidade das ações e impugnações administrativas manejadas em face de débitos em discussão nas respectivas esferas.
A questão, portanto, é saber se a expressão “totalidade dos débitos existentes” (constante do art. 1º. Da MP 303/06), sob o aspecto técnico-jurídico, seu aspecto normativo, equivale, é sinônimo técnico, da expressão “totalidade das autuações lavradas pelo fiscal”
Para viabilizar a análise da hipótese, poderíamos assim identificá-la: a disposição constante do art. 1º. Parágrafo 6º. Da MP 303/06, de que a adesão ao parcelamento implica na confissão da totalidade dos débitos existentes, pode ser entendida de maneira a fazer equivaler tecnicamente “lançamentos constantes de uma autuação fiscal” em “débito existente”?
Para responder essa questão não se pode afastar a necessária observância da interpretação literal.
Diz, o art. 111 do Código Tributário Nacional, in verbis:
Interpreta-se literalmente a legislação tributária que disponha sobre:
I - suspensão ou exclusão do crédito tributário;
II – (...);
III – (...).
O Superior Tribunal de Justiça tem decisões que sufragam esse entendimento, conforme segue:
Processo REsp 490685 / PR ; RECURSO ESPECIAL
Relator: Ministro LUIZ FUX (1122)
Órgão Julgador T1 - PRIMEIRA TURMA
Data do Julgamento 02/09/2003
Data da Publicação/Fonte DJ 24.11.2003 p. 220
Ementa
TRIBUTÁRIO. SALÁRIO-EDUCAÇÃO. INSCRIÇÃO NO PROGRAMA DE RECUPERAÇÃO FISCAL (REFIS). FINALIDADE DO PROGRAMA. SUSPENSÃO DA EXIGIBILIDADE DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO PARCELAMENTO DOS DÉBITOS FISCAIS. FUNÇÃO SOCIAL.
1. As disposições que regem o ingresso da empresa devedora junto ao REFIS prevêem que as exações em débito sejam administradas pela Secretaria da Receita Federal ou pelo Instituto Nacional do Seguro Social.
2. O salário-educação é uma contribuição arrecadada e fiscalizada pelo INSS. Compete à autarquia previdenciária a retenção de 1% (um por cento), à título de taxa de administração, do montante recolhido de referida exação incumbindo-lhe o repasse do restante ao FNDE.
3. O parcelamento do débito tributário é modalidade de suspensão do crédito tributário, a teor do novel inciso VI, do art. 151, do CTN, introduzido pela LC n.° 104/2001.
4. Interpreta-se literalmente a legislação que verse sobre a suspensão do crédito tributário (art. 111, I, do CTN), motivo pelo qual, dentre as interpretações gramaticais possíveis o hermeneuta deve escolher pela mais razoável, a que se coadune com a finalidade da norma.
5. A ratio essendi das disposições que disciplinam o REFIS têm natureza dúplice no sentido de que fomentam o adimplemento das obrigações tributárias e permitem ao Estado o recebimento, mesmo que parcelado, de seus créditos fiscais.
6. Deveras, é preciso atentar que toda e qualquer estratégia que propicie o ingresso de fundos na tão deficitária Receita Pública é sobremodo superior ao sacrifício patrimonial dos devedores, cujo patrimônio expropriado, em regra, não suporta a satisfação das obrigações tributárias.
7. Recurso especial conhecido e provido.
A questão, portanto é deveras simples: saber o que significa literalmente e sob o aspecto semasiológico a expressão “totalidade dos débitos existentes” constante do § 6º. do art. 1º. da Medida Provisória 303/06
Do conceito de débitos existentes em matéria tributária – a necessidade da preclusão da discussão administrativa
A autuação fiscal não constitui em definitivo o débito tributário. Tão somente gera a expectativa para a administração pública de que um dia, após os devidos trâmites processuais, venha ele (o débito) a existir.
O Ministro Sepúlveda Pertence assim discorreu sobre a definitividade da constituição e existência do crédito tributário (HC 81611 – caso da decisão definitiva em processo administrativo para legitimar a representação fiscal para fins penais);
Da disceptação dos tributaristas em torno da natureza do lançamento - embora me valha predominantemente de passagem da admirável reconstrução teórica do tema por Alberto Xavier -, extraio apenas alguns pontos consensuais, que independem do ponto de partida teórico e aos quais, de resto, o Cód. Tributário Nacional não permite fugir.
51. O primeiro é - embora se conceda, ao gosto dos “declarativistas” e a teor do art. 113 CTN que “a obrigação tributária principal surge com a ocorrência do fato gerador” - que o lançamento - ou, se for o caso, a sua ratificação ou alteração “em virtude de impugnação do sujeito passivo” (CTN, art. 145, I), na decisão final do procedimento administrativo - desempenha função de acertamento da existência e do conteúdo da mesma obrigação.
52. O que, aliás, é próprio de todo ato declaratório, como enfatiza um “declarativista” assumido, o il. Ruy Barbosa Nogueira, até porque, a rigor, como anota o mestre Souto Maior Borges, “uma eficácia jurídica puramente declaratória corresponderia a algo paradoxal”.
53. “A relação jurídica tributária, tal como nasce da lei” - aclara Alberto Xavier - à luz de sua teoria do lançamento como título jurídico-abstrato do crédito tributário -, “é ontologicamente certa, no sentido de que, no mundo do direito, ela se constitui imediatamente com a configuração que lhe traça a norma tributária material. (...) Mas o fato de a obrigação tributária ser, em si mesma, certa, não impede que quanto a ela se gere uma situação de incerteza”. Não importa, aduz, a mera incerteza subjetiva: “como fundamento da abstração e do efeito preclusivo encontra-se, sim, a incerteza objetiva, resultante da simples potencialidade de uma contestação, de um conflito de apreciação quanto à existência e conteúdo da obrigação”.
54. “O lançamento foi assim concebido pela lei” - conclui - “como uma forma de remoção ou eliminação da incerteza objetiva que impende sobre a obrigação tributária...”.
55. A fortiori, essa função do lançamento ganha relevo na teoria de Souto Maior Borges, que - na trilha de Kelsen – divisa no ato a criação da norma individual da obrigação tributária concreta, fundada na “obrigação tributária de caráter geral e abstrato nascida com a ocorrência do fato jurídico-tributário”, mas sempre inovadora e, pois, com “carga de constitutividade” em relação a ela.
56. “Antes do lançamento” - assinala, em conseqüência -, “não há débito, obrigação individualizada e concretizada; há tão só uma relação entre o dever jurídico do sujeito passivo (contribuinte ou responsável) e o dever do fisco, que se define como um poder-dever, de realizar o lançamento”.
57. Dessa necessidade de acertamento ou concretização da existência e extensão dela é que arranca a distinção no Cód. Tributário - que ainda assusta aos que apreendemos com os civilistas a essencial bilateralidade das relações obrigacionais - entre a obrigação tributária - que “surge com a ocorrência do fato gerador” (CTN, art. 113, § 1º) - e o crédito tributário - que “compete privativamente à autoridade administrativa constituir (...) pelo lançamento” (CTN, art. 142).
58. Em segundo lugar, conspiram os tributaristas, no interregno de suas desinteligências teóricas, em que a eficácia preclusiva é um dos instrumentos com os quais opera o lançamento para realizar sua função de acertamento definitivo, na órbita administrativa, da existência, individualização e quantificação do crédito tributário (13).
59. Efeito preclusivo que, como é sabido, se manifesta – no que interessa - contra a administração, pela impossibilidade de revisão do lançamento, em desfavor do contribuinte, salvo hipóteses legais, restritas e taxativas (CTN, arts. 145, III e 149).
60. “No que concerne às garantias no interesse e da iniciativa da Administração” - disserta a propósito Alberto Xavier (14) - “a lei submeteu os poderes de revisão do lançamento de ofício a duas ordens de limite: limites temporais respeitantes ao prazo dentro do qual a revisão pode ser legitimamente efetuada, e limites objetivos, respeitantes aos fundamentos que podem ser invocados para proceder à revisão”.
61. “Assim” - conclui -, “esgotado o prazo de decadência ou não existindo fundamento legítimo de revisão, o lançamento torna-se irrevisível ou imodificável pela Administração, operando-se assim a sua eficácia preclusiva e a prevalência da relação jurídica abstrata”.
62. O mesmo é dizer - escusado é demonstrá-lo - se, impugnado pelo contribuinte, a decisão final do procedimento administrativo do lançamento termina por desconstituí-lo, declarando a inexistência do crédito.
63. Daí - malgrado a impropriedade conceitual glosada por Xavier - a freqüência com a qual se alude, na caracterização da hipótese, a verdadeira “coisa julgada a favor do contribuinte”, para frisar a definitividade, contra a Administração, da decisão final do procedimento administrativo, quer no tocante ao conteúdo do lançamento, quer, se for o caso, quanto à inexistência da relação tributária.
64. O ponto é indagar dos reflexos penais dessa eficácia preclusiva da decisão definitiva do procedimento administrativo do lançamento, em favor do contribuinte ou contra ele.
65. Se é contra ele - de modo a reafirmar a evasão fiscal -, para não acender a grita da corrente majoritária dos “declarativistas”, que, por isso, de regra, atribuem retroatividade ao lançamento -, convém não ir até o ponto de enxergar nessa hipótese, na decisão administrativa, um elemento essencial do tipo, que só com o advento dela se consumaria.
66. (...).
71. O Cód. Tributário Nacional, posto que editado em 1966, tem-se consensualmente como recebido, no tópico, pelos subseqüentes textos constitucionais, incluído o vigente.
72. Nele, como visto - malgrado surja a obrigação tributária do fato gerador (art. 113, § 1º) - o crédito tributário só é constituído pelo lançamento - susceptível de revisão, porém, mediante “impugnação do sujeito passivo” (art. 145, III), manifestada a qual só ao termo do procedimento ou processo administrativo se terá por definida a existência e o conteúdo da relação tributária (...)
Na forma exposta pelo E. Ministro, no que foi acompanhado no julgamento sob comento por seus pares, só se reputa existente um crédito tributário quando encerrado o processo administrativo e atingida a preclusão administrativa.
Tecnicamente, ou seja, sob o aspecto semasiológico, não há a menor dúvida de que a expressão débito tributário existente, ou seja, definitivamente lançado, ou imutável para a administração, não se confunde com uma autuação fiscal.
Essa conclusão é relevante, na medida em que a existência do débito tributário é pressuposto obrigatório para seu parcelamento. Em outras palavras, é antecedente lógico obrigatório de parcelamento a constituição definitiva do débito tributário.
Daí salta aos olhos o óbvio ululante: é necessário considerar existente um crédito para que se o parcele!!!
O que se parcela é débito tributário definitivo!! Bem por isso que é necessário que se confesse voluntariamente o débito antes, para o seu posterior parcelamento.
Não se parcela autuação de fiscal (já que esta não implica na existência de um débito tributário definitivo e existente, conforme o Min. Sepúlveda Pertence – HC 81611).
Assim, o parágrafo 6º. do art. 1º. Da MP 303/06 fala sobre o óbvio: a adesão ao parcelamento gera a “confissão de dívida irrevogável e irretratável da totalidade dos débitos existentes” o que se jamais confunde com “confissão de dívida irrevogável e irretratável da totalidade das autuações pendentes”
Sob o aspecto da aplicação do CTN, art. 111 o que aqui se conclui sob o aspecto semasiológico ganha maior força já que numa interpretação literal menos ainda se pode confundir o que seja totalidade dos débitos existentes com o eventual conteúdo normativo/literal do que seja totalidade das autuações pendentes.
Para finalizar esse item basta dizer que o erro cometido pelo INSS é interpretar o que seja débito existente por um aspecto não técnico, onomasiológico. O fato de um processo administrativo tratar da possibilidade de constituição de um débito fiscal, e ser chamado no âmbito do INSS de DEBCAD, uma terminologia parajurídica, leiga, não permite que seja, enquanto processo, considerado um debito definitivamente constituído, ou existente.
Bem por essas alegações é que se pode concluir que mesmo apesar da desastrada tentativa de interpretar a norma de forma a forçar uma confissão da totalidade do débito, o que apenas conseguiu o INSS foi causar desnecessário tumulto na vida empresarial de inúmeras empresas, que querem fazer valer a interpretação autêntica exarada na regulamentação editada pela SRF/PGFN.
Do entendimento da Procuradoria da Fazenda Nacional e da Secretaria da Receita Federal sobre a possibilidade de desistência parcial na MP 303/06
Como antes dito é sabido que a Medida Provisória emana do Poder Executivo. Os órgãos consultivos do Poder Executivo, em matéria fiscal, são deveras conhecidos e sempre restam consultados para a edição de normas que afetem seu mister.
Não é despropositado então reconhecer que para a edição da MP 303/06 houve efetiva intervenção da Secretaria da receita Federal e da Procuradoria da Fazenda Nacional.
Tal fato é relevante quando enfrentamos o tema da dicotomia entre o que seja uma interpretação autêntica e uma interpretação doutrinária.
Sobre o tema discorre Tércio Ferraz em seu Introdução ao estudo do Direito 4ª. Ed. p. 261/262:
Ao final de seu volume dedicado à Teoria Pura do Direito (1960), depois de ter enfrentado o problema de como estabelecer os parâmetros para uma ciência do direito enquanto teoria sistemática das normas, encontramos uma explanação sobre a interpretação jurídica que, no entanto, nos frustra, porque não fornece nenhuma base para a hermenêutica dogmática.
Nesse texto, surge a distinção entre interpretação autêntica e doutrinária. A primeira, diz ele, é a que é realizada por órgãos competentes (no sentido jurídico da expressão). A segunda, por entes que não tem a qualidade de órgãos.
Para Kelsen, quando um órgão se pronuncia sobre o conteúdo de uma norma, por exemplo, o juiz quando determina o sentido de uma lei no processo de aplicação, produz um enunciado normativo. Como qualquer norma, esse enunciado é vinculante. Isso está na base de sua discussão sobre hermenêutica. Assim, a contrario sensu, todo ente que não é órgão, ao interpretar, ainda que diga qual deva ser o sentido de uma norma, não produz um enunciado vinculante. Aquele deve-ser não tem, pois, caráter de norma. É o caso, por exemplo de um parecer jurídico ou de uma opinião doutrinária exarada em num livro.
Examinemos mais de perto o ato interpretativo. Quando se trata de órgão, ocorre uma determinação do sentido do conteúdo da norma, e essa determinação é vinculante. O órgão interpretante define-lhe o sentido. Definir, do latim finis , significa estabelecer limites, fronteiras. Essa definição, diz Kelsen, é produto de um ato de vontade. Trata-se de ‘um quero’ e não de ‘um sei’. E sua força vinculante, a capacidade de o sentido definido ser aceito por todos, repousa na competência do órgão (que pode ser o juiz, o próprio legislador quando interpreta o conteúdo de uma norma...).
É sabido que a norma do parcelamento partiu do Poder Executivo mediante a edição de Medida Provisória.
Evidente também a participação da Procuradoria da Fazenda Nacional na assessoria da Presidência da República para o caso, já que subscreve a Medida Provisória 303/06, além do Presidente da República, o próprio Ministro da Fazenda.
É evidente que os atos que partem do órgão de assessoramento para a edição da norma tem um caráter de interpretação autêntica da norma, ou, em outras palavras um “eu quero”, na forma preconizada por Kelsen e Tércio Sampaio Ferraz.
Daí porque se pode admitir que os atos regulamentares editados pela Secretaria da Receita Federal em conjunto com a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (em especial a Portaria Conjunta PGFN/SRF nº 002, de 20 de julho de 2006) são em verdade a explicitação dos efeitos desejados pelo legislador.
E é do regulamento conjunto da Secretaria da Receita Federal e Procuradoria da Fazenda Nacional que se tiram as interpretações definitivas acerca da norma, já que deste regulamento resta expressamente prevista a possibilidade de desistência parcial dos recursos e ações, in verbis:
Portaria Conjunta PGFN/SRF nº 002, de 20 de julho de 2006 (*)DOU de 25.7.2006
Data da Republicação
DOU de 01.8.2006
Dispõe sobre parcelamento de débitos para com a Fazenda Nacional, de que trata a Medida Provisória nº 303, de 29 de junho de 2006.
O PROCURADOR-GERAL DA FAZENDA NACIONAL e o SECRETÁRIO DA RECEITA FEDERAL, no uso de suas atribuições, e tendo em vista o disposto na Medida Provisória nº 303, de 29 de junho de 2006, resolvem:
Do Pagamento à Vista ou do Parcelamento, com Redução
Art. 1º Os débitos de pessoas jurídicas junto à Secretaria da Receita Federal (SRF) ou à Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) com vencimento até 28 de fevereiro de 2003, poderão ser pagos ou parcelados, excepcionalmente, no âmbito de cada órgão, na forma e condições previstas neste artigo.
§ 1º (...)
§ 3º Para opção de que trata este artigo, em relação aos débitos com exigibilidade suspensa nas hipóteses previstas nos incisos III a V do art. 151 da Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966 - Código Tributário Nacional (CTN), o sujeito passivo deverá desistir expressamente e de forma irrevogável, total ou parcialmente, até a data prevista no § 1º, da impugnação ou do recurso interposto, ou da ação judicial proposta e, cumulativamente, renunciar a quaisquer alegações de direito sobre as quais se fundamentam os referidos processos administrativos e ações judiciais.
§ 4º (...).
§ 16. A desistência prevista no § 3º, quando parcial, fica condicionada a que o débito correspondente possa ser distinguido das demais matérias litigadas.
Do Parcelamento em 130 Meses
Art. 2º Os débitos de pessoas jurídicas junto à SRF e à PGFN, vencidos até 28 de fevereiro de 2003, poderão ser parcelados em até 130 prestações mensais e sucessivas, observado o disposto nesta Portaria.
§ 1º O parcelamento abrange a totalidade dos débitos da pessoa jurídica, constituídos ou não, inscritos ou não em Dívida Ativa da União (DAU), mesmo que discutidos judicialmente em ação proposta pelo sujeito passivo ou em fase de execução fiscal já ajuizada, inclusive os submetidos a parcelamento, sob qualquer modalidade, não integralmente quitado, ainda que cancelado por falta de pagamento.
§ 2º Os débitos com exigibilidade suspensa nas hipóteses previstas nos incisos III a V do art. 151 da Lei nº 5.172, de 1966 - (CTN) somente poderão integrar o parcelamento no caso de o sujeito passivo desistir expressamente e de forma irrevogável, total ou parcialmente, até 15 de setembro de 2006, da impugnação ou do recurso interposto, ou da ação judicial proposta e, cumulativamente, renunciar a quaisquer alegações de direito sobre as quais se fundamentam os referidos processos administrativos e ações judiciais.
§ 3º (...)
§ 9º A desistência prevista no § 2º, quando parcial, fica condicionada a que o débito correspondente possa ser distinguido das demais matérias litigadas.
(...)
Art. 20. Esta Portaria entra em vigor na data de sua publicação.
LUIS INÁCIO LUCENA ADAMS
Procurador-Geral da Fazenda Nacional
JORGE ANTONIO DEHER RACHID
Secretário da Receita Federal
(*) Republicada por ter saído no DOU de 25/07/2006, Seção 1, pág. 13, com incorreção.
Daí conclui-se que o INSS – Instituto Nacional de Seguro Social, em atitude equivocada, mal interpreta a norma de parcelamento a seu (suposto) benefício.
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