Direito Tributário Empresarial

É o presente para arquivar, e a quem interessar tornar disponível, algumas divagações no campo do Direito Tributário Empresarial, da Filosofia e outras áreas afins. Lauro Arthur G. S. Ribeiro - Advogado, Professor Substituto (UFPR - 2005/2006) Correções, críticas, sugestões: lauro.r@gmail.com

quarta-feira, julho 21, 2004

Direito Tributário e "Penal" – O instituto da pena de morte aplicado às empresas.

No já distante 10 de dezembro de 1948 a Assembléia Geral da Organização das Nações Unidas adotava a Declaração Universal dos Direitos do Homem. Entre eles, como não poderia deixar de ser, estão o direito à liberdade, à vida e à segurança.
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O momento do pós-guerra era propício ao reconhecimento de direitos humanos, principalmente ante o sofrimento civil generalizado, causado pela guerra, que trouxe uma dura lição contra a beligerância, e o salto qualitativo nas relações civis internacionais causado pelo sentimento universal de que a solução de convívio comunitário entre países e respeitoso aos seres humanos melhor atendia aos anseios de todas as nações.
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Os embriões da Comunidade Européia vieram logo após este momento, tendo como fruto, hoje, as estáveis relações entre nações antes ferrenhas inimigas nos fronts de batalha.
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De lá para cá todas as nações passaram a minimamente tentar observar tais direitos, e isso se reflete em todas as legislações, sendo argumento contundente em qualquer tribuna legislativa ou judiciária mundo afora.
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Tais direitos conferidos às pessoas físicas, em muitos países são adaptados tacitamente à espécie e conferidos às pessoas jurídicas, e a provocação desse texto é, exatamente, esse raciocínio.
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Em países civilizados, em que pese a diferença evidente de uma pessoa física e uma pessoas jurídica, bem se compreende a importância social de ambas (física e jurídica), e com a “vida” delas se ocupa a legislação.
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Note-se que a pessoa jurídica, enquanto parte inafastável do meio econômico, tem importância fundamental na ordem social, já que é ela que produz, em sua grande maioria, os bens industriais necessários às pessoas físicas, e neste específico ponto a recíproca é verdeira dado o fato que da mão-de-obra também depende a sociedade empresária. Trata-se de uma "simbiose" econômica onde a vida de uma certamente depende da vida da outra. (Por óbvio que não estamos falando da pré-história, onde nesta simbiose, que hoje se afirma existente e necessária, era sequer cogitada)
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Feita esta breve equiparação de importâncias sociais e economicas, entremos no raciocínio inferido pelo título do presente artigo e, com o perdão daqueles que entendem pela pouca tecnicidade ou acientificidade das metáforas, efetuarei um produtivo abuso das mesmas.
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Comparemos uma empresa em dificuldades e seu direito ao regular exercício de atividade econômica a um paciente numa UTI e o respectivo direito à vida desse indivíduo.
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Não há como se afastar o raciocínio de que muitas vezes a fiscalização do INSS e SRF pode ser comparada à figura de uma pessoa armada que adentra à " UTI " atirando contra os "pacientes".
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Multas confiscatórias aplicadas pelos fiscais quando a empresa que passa por dificuldades tenta se reerguer são, muitas vezes, a “pá de cal” que falta para enterrar qualquer legítima tentativa de exercício socialmente responsável de atividade econômica pela empresa.
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Nesse ponto, da verificação pelo administrador da aplicação de sanções insuportáveis (aqui tratada como uma pena de morte à sociedade empresária) vale o instinto de preservação da "vida humana" do empresário, que então passa a desviar valores para garantir a sua sobrevivência pós-quebra, fazendo com que a empresa, que já está na "UTI", passe a apressar seu passo em direção ao encerramento das atividades demitindo empregados, não pagando tributos, ante a evidência de quebra iminente, adotando, aos olhos de terceiros, uma atitude deliberada de suposta “irresponsabilidade social”.
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Em verdade, como demonstrado, o nexo de causalidade entre a situação de quebra da empresa e um fato que lhe dá causa está indiscutivelmente na aplicação da "pena de morte" pelo governo, que ao extrapolar de suas obrigações políticas, mediante a proposição legislativa, adoção e aplicação de multas absurdas (inobservando a capacidade contributiva da empresa e a vedação à confiscatoriedade) acaba por retirar as condições de "vida" da empresa.
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Fossemos fazer uma comparação, e transmudando o dinheiro em sangue, estaria o governo a cobrar em impostos e multas mais "sangue" do que o "paciente" (empresa) pode produzir. E estando o "paciente" na "UTI" e precisando de "sangue", entra o governo cobrando o principal da dívida (retirando o pouco sangue existente) e ainda querendo o que o "paciente" não tem (a multa)! Intimado então o "moribundo" na "UTI" e não tendo "sangue" a dar, aciona a “justiça” para arrancar o que lhe é devido, sendo que o "paciente", então, terá que pagar, ainda, os honorários advocatícios!
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É ou não uma pena de morte?
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Dizer que nossa constituição não protege a pessoa jurídica contra a “pena de morte” é uma inverdade face aos valores constitucionais vigentes.
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É mais fácil ao intérprete ver escrito “pena de morte’ como uma vedação, na forma do art. 5º, XLVI, que se refere obviamente à pessoa física, (apesar de ali não estar escrito “somente à pessoa física”), do que realizar esta mesma interpretação quando lê o art. 150, IV, da Constituição Federal em relação às pessoas jurídicas.
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Toda a doutrina que se constrói vê este dispositivo sob o foco dos eventuais abusos (aliás, afirmam os estudiosos diuturnamente ser abusivo cada aumento da carga tributária), sem que se atente ao foco dos efeitos.
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E a operacionalização da defesa do direito à "vida" da empresa, sob o foco dos efeitos (um deles muitas vezes a falência, ou morte, de uma sociedade empresária), é de difícil solução legal (não existe critério claro para o juiz segurar a mão do carrasco), já que uma perícia em processo judicial pode até chegar à conclusão de que a empresa não terá caixa para pagar um determinado valor de multa e falirá, mas ao juiz falta critério para poder, então, arbitrar multa de menor repercussão.
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Há muito tempo um julgado do STF RE 81.550 (julgado em 20 de maio de 1975), previu a confiscatoriedade da multa moratória tributária quando superior a 30%, mas, como aqui sustentado, sem critérios claros a determinar "parâmetros jurisprudenciais" de arbitramento.
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Note-se que ao defender o foco dos efeitos não se está a sustentar antiga corrente doutrinária que defendia a influência econômica no direito como causa de interpretação do justo. O que se defende, sim, é a injustiça, frente a dispositivo constitucional (150, IV), das falências, por exempo, caso a caso. O fato econômico, que meramente verifica em caráter exauriente o injusto, é simplesmente o número de falências e a eventual estagnação da economia ou seu pouco crescimento.
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Em suma, vemos um governo que sequer pensa nas empresas menos favorecidas, tratamento idêntico dispensado às pessoas físicas também quase-esquecidas que estão na fila do SUS, durante a madrugada, e que vão acabar na UTI dos hospitais conveniados, e que proporciona boas condições de vida a uma pequena parcela rica da "população de pessoas físicas", tal qual faz o BNDES quando da concessão de seus fartos e bilionários empréstimos às pessoas jurídicas.

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