Direito Tributário Empresarial

É o presente para arquivar, e a quem interessar tornar disponível, algumas divagações no campo do Direito Tributário Empresarial, da Filosofia e outras áreas afins. Lauro Arthur G. S. Ribeiro - Advogado, Professor Substituto (UFPR - 2005/2006) Correções, críticas, sugestões: lauro.r@gmail.com

domingo, novembro 25, 2007

A Tributação das Telecomunicações em Face da LGT e do regulamento da ANATEL

Introdução

O presente artigo busca explorar o que há de rigor científico (em face da Ciência do Direito) na utilização de conceitos hauridos na legislação infraconstitucional ordinária, e mesmo em regulamentos da ANATEL, para delimitar, dentre outros, os critérios de apuração e delimitação da base de cálculo do ICMS-Comunicação, previsto na CF/88 e objeto da Lei Complementar 87/96.

É sabido que no plano dos cortes epistemológicos que conformam para fins didáticos o sistema único do Direito em “diversos direitos” (Tributário, Administrativo, etc.), temos a aplicação da Constituição e, em especial, os princípios nela insculpidos, por um lado orientada à unidade sistêmica e ao mesmo tempo buscando assegurar o melhor atingimento do teleos buscado pelo constituinte quando erigiu determinados bens e valores como objeto de proteção constitucional.

Teórica e pragmaticamente um princípio constitucional informa todo o sistema do direito, mas sempre de maneira singular em face do bem jurídico tutelado constitucionalmente.

Assim, por exemplo, para se atingir isonomia no tratamento de contribuintes sujeitos a uma mesma realidade, e mesmo regime jurídico, aplica-se o princípio constitucional da igualdade em uma amplitude, enquanto que na hipótese constitucional de redução das desigualdades (prevista na forma do art 3º., III e 43 da CF), podem os entes governamentais promover e estabelecer benefícios fiscais específicos, objetivos e/ou subjetivos, que podem resultar numa aplicação específica do princípio da igualdade que, aos olhos de alguns, (que não separam claramente o campo do direito positivado do da Ciência do Direito) pode parecer algo similar à sua violação.

O que ocorre em verdade é que o direito na sua unidade sistêmica e diversidade prescritiva faz com que o princípio (que regra não é) seja ordenado pela Ciência do Direito, que declara sua hierarquia e define a forma lógica de entrelaçamento deste e das unidades do sistema, resultando, assim, em interpretações que serão sempre adequadas à tutela de valores pretendida pelo constituinte/legislador. Daí a razão pela qual se afirma que a simples interpretação gramatical das expressões constitucionais, como se o direito positivado estivesse em última análise submetido à Gramática, e não mais amplamente, à Ciência do Direito, pode levar a diversos equívocos.

No plano infraconstitucional, dado o sistema constitucional tributário exaustivamente delineado na CF/88 e as competências legislativas previstas na Carta, o domínio técnico da razão de ser das leis complementares em matéria tributária (e dentre elas temos o Código Tributário Nacional, Lei ordinária para a qual se emprestou a natureza de Lei Complementar, e a Lei Kandir - LC 87/96), em face das leis ordinárias, já infere a conclusão de coerência e amoldamento destas (leis ordinárias) àquelas (leis complementares), jamais o contrário.

Reconhecendo que há cortes epistemológicos que permitem inferir a existência de um sistema tributário constitucional e infraconstitucional posto, com princípios próprios, aplicação certa e eficácia plena resta a questão de qual influência se pode esperar da Lei Geral das Telecomunicações e dos Regulamentos da ANATEL na análise do ICMS-Comunicação como objeto de cognição da Ciência do Direito.

Não é pouco lembrar que as agências regulatórias são entes sequer previstos em espécie na Constituição Federal, que se limita a dar princípios de atuação às autarquias (Art. 37, XVII, XIX, 39 § 7º. E 40 da CF/88).

O só reconhecimento da exposição do ICMS-Comunicação à análise ontológica em face de princípios de Direito Administrativo, que informam a atuação estatal dos entes da administração direta, já indica a inadequação da absorção dos conceitos lá (na administração direta) “positivados”.

Forçoso concluir, então, que se não pode pretender a submissão do exaustivo rol de competências tributárias e delineamentos das bases de cálculo possíveis na Constituição Federal de 1988 aos determinismos de quaisquer agências regulatórias, na medida em que não há mesmo uma única menção a estas e funções que lhes seriam próprias na CF/88.

Mas não é o que se vê da jurisprudência. Em diversos julgados vemos os tribunais interpretando o texto do Código Tributário Nacional e da Lei Kandir, em matéria de ICMS-Comunicação, buscando e utilizando os conceitos de leis ordinárias, e mesmo de regulamentos da ANATEL, fazendo exatamente o amoldamento das leis complemantares do ICMS-Comunicação aos conceitos “positivados” pela autarquia especial, olvidando por completo o filtro científico, inafastável!.

É razoável crer que seja do desenvolvimento de uma doutrina e jurisprudência próprias, partindo-se do texto constitucional e das leis complementares de referência ao ICMS-Comunicação que se poderá melhor avaliar a coerência, e eventualmente mesmo a utilidade no campo dos tributos, dos conceitos indicados nos regulamentos das agências regulatórias.

Definir o que seja telecomunicação exclusivamente a partir de conceitos regulatórios, quando estes sequer são teleologicamente orientados a um fim tributário é, então, clara violação do próprio direito enquanto sistema logicamente orientado.


Capítulo I – A LGT e o ICMS-Comunicação em face da CF/88
1. O conceito tributário de comunicação e o conceito regulatório de telecomunicação
1.1 Conceitos: a busca dos significados em face dos significantes

Não são raros os casos em que um significante quando exposto à Ciência do Direito acabe determinando diversos significados, em especial quando um mesmo significante seja exposto à análise de diferentes “ramos” do direito.

Apenas para exemplificar, e trazendo um exemplo alheio à telecomunicação, temos os conceitos de cessão de mão-de-obra para o direito do trabalho e para o direito tributário.

No Direito do Trabalho os caracteres que determinam a existência de cessão de mão-de-obra são estudados a partir dos institutos da “terceirização” e “quarteirização” de serviços (Enunciado de súmula 331[1] do TST), bem como na disciplina do contrato de trabalho temporário (Lei 6.029/1974).

Desse estudo, trabalhista, decorre que caracteriza cessão de mão-de-obra (i) a contratação regular de trabalho temporário, na forma da Lei 6.019; (ii) a contratação regular dos serviços de vigilância, na forma da Lei 7.102/1983; (iii) a contratação de conservação e limpeza; e, (iv) a contratação de serviços ligados à atividade meio do tomador dos serviços, desde que inexistente pessoalidade e subordinação direta.

Para o direito tributário o conceito de cessão de mão-de-obra ganha outros elementos a definir seu conteúdo, que estão determinados pela Lei 9.711/98, in verbis:

art. 31 A empresa contratante de serviços executados mediante cessão de mão-de-obra, inclusive em regime de trabalho temporário, deverá reter onze por cento do valor bruto da nota fiscal ou fatura de prestação de serviços e recolher a importância retida até o dia dois do mês subseqüente ao da emissão da respectiva nota fiscal ou fatura, em nome da empresa cedente da mão-de-obra, observado o disposto no § 5o do art. 33.
§ 1o (...)
§ 2o (...)
§ 3o Para os fins desta Lei, entende-se como cessão de mão-de-obra a colocação à disposição do contratante, em suas dependências ou nas de terceiros, de segurados que realizem serviços contínuos, relacionados ou não com a atividade-fim da empresa, quaisquer que sejam a natureza e a forma de contratação.
(g.n.)

Para a determinação da ocorrência de cessão de mão-de-obra a ensejar a retenção da contribuição ao INSS é necessário, portanto, observar: (i) que os trabalhadores realizem serviços contínuos; (ii) a não relevância do fato de os serviços serem ou não relacionados com a atividade-fim da empresa; e, (iii) que não importa a natureza e forma da contratação. Em outras palavras, havendo trabalhadores realizando serviços contínuos deverá restar reconhecida a existência de cessão de mão-de-obra (para fins tributários) e deverá haver a retenção da contribuição[2].

Não se pode, portanto, transpor o conceito “trabalhista” de cessão de mão-de-obra para a seara do direito tributário, ou vice-versa, mesmo sendo ambos os conceitos hauridos da legislação infraconstitucional ordinária (nesse caso, de mesma hierarquia).

1.2 Os elementos do conceito regulatório de telecomunicação na LGT

A questão que se põe para o presente artigo é similar e pode, então, ser assim resumida: é possível transpor os conceitos indicados pela LGT (lei ordinária, de fins regulatórios), para o direito tributário, que para delimitar a hipótese de incidência do ICMS-Comunicação exige Lei Complementar que a detalhe?

Tal qual a hipótese supracitada, de cessão de mão-de-obra, a análise pela Ciência do Direito do ICMS-Comunicação implica em restrições evidentes à pretensão de transposição de conceito regulatório para a seara tributária.

Assim restaram positivados os conceitos regulatórios, na LGT:

Art. 60. Serviço de telecomunicações é o conjunto de atividades que possibilita a oferta de telecomunicação.
§ 1° Telecomunicação é a transmissão, emissão ou recepção, por fio, radioeletricidade, meios ópticos ou qualquer outro processo eletromagnético, de símbolos, caracteres, sinais, escritos, imagens, sons ou informações de qualquer natureza.
§ 2° Estação de telecomunicações é o conjunto de equipamentos ou aparelhos, dispositivos e demais meios necessários à realização de telecomunicação, seus acessórios e periféricos, e, quando for o caso, as instalações que os abrigam e complementam, inclusive terminais portáteis.
(g.n.)

A definição inicial que se pretende com o art. 60 caput da LGT é a abrangência da expressão “serviço de telecomunicações”. O que se deve observar para a perfeita compreensão do comando legal é que o verbete “conjunto de atividades” está diretamente vinculado ao verbo “possibilita”, ambos no singular, indicando que o caput não está referenciado à expressão “telecomunicações”, mas, sim, ao conjunto de serviços que são pressupostos (atividades meio) da ocorrência de telecomunicações.

Já a expressão legal telecomunicação (art. 60 §1º da Lei 9472), para fins regulatórios, é caracterizada pela:

a) transmissão, emissão ou recepção de (i) símbolos, (ii) caracteres, (iii) sinais, (iv) escritos, (v) imagens, (vi) sons ou (vii) informações de qualquer natureza;
b) transmissão, emissão ou recepção que utiliza como meio (i) fio, (ii) radioeletricidade, (iii) meios ópticos ou (iv) qualquer outro processo eletromagnético.

A lei regulatória dá, portanto, o conceito claro de telecomunicação (art. 60, §1º. Da Lei 9472) e de serviço de telecomunicações (art. 60, caput da Lei 9472). Diz que este (serviço de telecomunicações) é um conjunto de atividades que possibilita a oferta de telecomunicação e com esta, obviamente, não se confunde.

De outra banda a mesma norma legal de finalidade regulatória (LGT) faz uma terceira distinção, mediante a conceituação de Estação de telecomunicações (art. 60 §2º da Lei 9472). Esta não é nem a telecomunicação em si e muito menos se trata de serviço de telecomunicações, podendo ser resumida naquilo que caracteriza a infra-estrutura posta à disposição do cliente e caracterizada pelo “conjunto de equipamentos ou aparelhos, dispositivos e demais meios necessários à realização de telecomunicação, seus acessórios e periféricos, e, quando for o caso, as instalações que os abrigam e complementam, inclusive terminais portáteis”. São, portanto, coisas (res, por assim dizer) que estão vinculadas à prestação do serviço de telecomunicação.

Fica clara, portanto a distinção do que sejam: (i) as obrigações de fazer (conjunto de atividades que possibilita a oferta de telecomunicação) que são pressupostos de telecomunicação e que com ela não se confundem – art. 60, caput, da LGT; (ii) a obrigação de fazer consubstanciada na telecomunicação, assim caracterizada como a “transmissão, emissão ou recepção símbolos, caracteres, sinais, escritos, imagens, sons ou informações de qualquer natureza” – art. 60, §1º. da LGT; e, (iii) as coisas que restam vinculadas à telecomunicação em si – art. 60, §2º. da LGT.

1.3 Os elementos do conceito tributário de comunicação

Assim preceitua a Lei Complementar 87/96:

Art. 2° O imposto incide sobre:
I (...)
II (...)
III - prestações onerosas de serviços de comunicação, por qualquer meio, inclusive a geração, a emissão, a recepção, a transmissão, a retransmissão, a repetição e a ampliação de comunicação de qualquer natureza;

Para fins tributários “comunicação” é, portanto:

a) um serviço oneroso[3];
b) um serviço prestado por qualquer meio;
c) um serviço que se caracteriza pela geração, a emissão, a recepção, a transmissão, a retransmissão, a repetição e a ampliação de comunicação; e,
d) para fins tributários não é relevante a natureza da comunicação.

A leitura do conceito estabelecido na LC 87/96 deixa claro que as prestações não onerosas são atos irrelevantes. Já aqui resta evidente que a vinculação a um fato econômico é da essência da obrigação tributária (e assim não o é na legislação regulatória, ex vi dos números gratuitos obrigatórios, 190, 192, etc.).

A referência tributária a “qualquer meio” deixa claro que se não deve excluir da hipótese de incidência do ICMS-Comunicação um fato em face do ambiente de circulação da informação.

Tem-se, ainda, a abrangência da forma de comunicação ampliada à máxima significação e de maneira desvinculada a gêneros e/ou espécies de tecnologia. Não há como sustentar a exclusão de uma determinada forma de comunicação da hipótese de incidência pelo fato de ser realizada de uma ou outra maneira, com uma ou outra tecnologia.

Por fim, a natureza da comunicação (parte final do art. 2º; III da LC 87/96) não importa a incluir ou excluir um determinado fato do âmbito da norma que prevê a hipótese de incidência do ICMS-Comunicação, na medida em que qualquer hipótese de comunicação está subsumida à hipótese legal.

Presentes os quatro elementos da caracterização tributária do conceito de comunicação, conjuntamente, teremos perfeitamente delineada a hipótese de incidência do ICMS-Comunicação.

2. Conceito tributário x conceito regulatório
2.1 O art. 60 caput da LGT e o conceito tributário de comunicação

O caput do artigo 60 da LGT não pode resumir em si a hipótese de incidência do ICMS-Comunicação pela simples razão de que entre o “conjunto de atividades que possibilita a oferta de telecomunicação” temos diversas destas (atividades) subsumidas às hipóteses descritas na lista anexa à Lei Complementar 116/03, ou seja, atividades sujeitas ao ISS, de competência dos municípios.

Podemos comprovar a afirmação supra com a indicação das seguintes atividades que possibilitam a oferta de telecomunicação:

a) Análise e desenvolvimento de sistemas[4] (item 1.01 da lista – LC-116/03);
b) Programação (item 1.02 da lista – LC-116/03);
c) Processamento de dados e congêneres (item 1.03 da lista – LC-116/03);
d) Suporte técnico em informática, inclusive instalação, configuração e manutenção de programas de computação e bancos de dados (item 1.07 da lista – LC-116/03);
e) Locação, sublocação, arrendamento, direito de passagem ou permissão de uso, compartilhado ou não, de ferrovia, rodovia, postes, cabos, dutos e condutos de qualquer natureza[5] (item 3.04 da lista – LC-116/03);
f) Execução, por administração, empreitada ou subempreitada, de obras de construção civil, hidráulica ou elétrica e de outras obras semelhantes, inclusive (...) a instalação e montagem de produtos, peças e equipamentos[6] (exceto o fornecimento de mercadorias produzidas pelo prestador de serviços fora do local da prestação dos serviços, que fica sujeito ao ICMS) (item 7.02 da lista – LC-116/03);
g) Elaboração de planos diretores, estudos de viabilidade, estudos organizacionais e outros, relacionados com obras e serviços de engenharia; elaboração de anteprojetos, projetos básicos e projetos executivos para trabalhos de engenharia (item 7.03 da lista – LC-116/03);
h) Reparação, conservação e reforma de edifícios, (...)(exceto o fornecimento de mercadorias produzidas pelo prestador dos serviços, fora do local da prestação dos serviços, que fica sujeito ao ICMS) (item 7.05 da lista – LC-116/03).

Sob este enfoque, cartesiano de afastamento da incidência do ICMS-Comunicação, pode-se afirmar, sem hesitação, que o art. 60 caput da LGT, na forma como se encontra redigido, não descreve a hipótese de incidência do ICMS-Comunicação.

2.2 O art. 60 §1º. da LGT e o conceito tributário de comunicação

O §1º. do art. 60 da LGT, apesar de não descrever de maneira idêntica a hipótese de incidência do ICMS-Comunicação prevista na LC 87/96, desta se aproxima mais do que o caput do mesmo artigo.

Em simples interpretação gramatical pode-se perceber razoável grau de alinhamento lógico dos conceitos:

LGT - Art. 60 (...).
§ 1° Telecomunicação é a transmissão, emissão ou recepção, por fio, radioeletricidade, meios ópticos ou qualquer outro processo eletromagnético, de símbolos, caracteres, sinais, escritos, imagens, sons ou informações de qualquer natureza.

LC 87 - Art. 2° O imposto incide sobre:
III - prestações onerosas de serviços de comunicação, por qualquer meio, inclusive a geração, a emissão, a recepção, a transmissão, a retransmissão, a repetição e a ampliação de comunicação de qualquer natureza;

Apesar da aproximação em uma interpretação gramatical, o desvio teleológico resta evidente quando do cotejo dos elementos de ambos os conceitos.

Enquanto a LGT busca abranger um objeto a ser regulado a LC 87/96 busca definir um outro objeto (hipótese de incidência) a ser tributado.

Resta claro que a ANATEL foi criada à luz do afastamento da União do exercício das atividades econômicas do setor de telecomunicações, que exercia através do controle do sistema TELEBRAS.

O sistema TELEBRAS obedecia, enquanto sob o controle da União, às diretivas indicadas pelo Ministério das Comunicações, e quando da privatização a União optou por criar por lei autarquia especial que passou, então, a regular o setor de telecomunicações na forma prevista na lei que a criou.

A ANATEL, portanto, não tem em lei a função de regular a hipótese tributária de comunicação, mas sim a atividade de telecomunicação. E não há como se olvidar que a lei restou referenciada ao objeto inicial de regulação, que eram as atividades decorrentes do sistema TELEBRAS, após a sua privatização.

Daí a evidência clara, no conceito inserto no art. 60, §1º. da LGT, de abranger esta não a atividade de comunicação, mas sim a de telecomunicação.

No que tange à seara do direito tributário, e que diz respeito à evolução do conceito tributário de comunicação havia, antes da Constituição Federal de 1988, dupla competência para instituir e cobrar impostos sobre comunicação: a (i) competência geral da União para a instituição de Imposto Sobre Serviços de Comunicação (EC n. 18/65 e a CR/67-69 – ISSC) e (ii) competência municipal, que excepcionava a regra de competência da União, para a hipótese de comunicação intramunicipal (Decreto-lei n. 834 que incluiu o item 27 na lista anexa ao Deccreto-lei 406/68 – ISSQN).

O primeiro conceito de comunicação em legislação, para fins tributários, foi dado pelo Código Tributário Nacional (Lei 5.172, de 25 de outubro de 1966), que preceituava, para a hipótese do ISSC:

Art. 68. O imposto, de competência da União, sobre serviços de transportes e comunicações tem como fato gerador:
(...)
II – a prestação do serviço de comunicações, assim se entendendo a transmissão e o recebimento, por qualquer processo, de mensagens escritas, faladas ou visuais, salvo quando os pontos de transmissão e de recebimento se situem no território de um mesmo Município e a mensagem em curso não possa ser captada fora desse território.

Este primeiro conceito orientou toda a tributação da “comunicação” entre o início de vigência da Lei 5.172/66 até a edição da LC 87/96, que emprestou novo conceito tributário à expressão.

Com essa consideração sobre o termo inicial do conceito legal de comunicação para fins tributários, podemos desde já afirmar que a abrangência inicial determinada para a incidência tributária do, à época, Imposto Sobre Serviços de Comunicação (ISSC- de competência da União e excepcionalmente cobrado pelos municípios quando caracterizada hipótese de ISSQN), portanto, já ia além do que hoje é “telecomunicação” (LGT). Ou seja, comparando-se o antigo conceito de tributário de comunicação com o atual conceito regulatório de telecomunicação, pode-se afirmar que a antiga hipótese de incidência tributária já abrangeria a atual hipótese regulatória e iria além, em sua abrangência.

Com a Constituição de 1988 a competência para instituir imposto sobre comunicação passou da União e dos Municípios aos Estados-membros. A alteração da competência na Constituição Federal não trouxe consigo um novo conceito de comunicação. Assim, entre a promulgação da CF/88 e a Lei Complementar 87/96 o conceito existente de comunicação era o estabelecido no CTN.

Editada a LC 87/96 o que se pode constatar foi a ampliação do conceito de comunicação: Enquanto o art. 68, II da Lei 5.172 mencionava “mensagens escritas, faladas ou visuais” a Lei Complementar 87/96 ampliou a hipótese para “comunicação de qualquer natureza”.

Podemos dizer, então, que se a Lei 5.172/66 já previa conceito tributário de comunicação mais amplo que o de telecomunicação (LGT) atual, muito mais ampliado foi o campo tributário em face do regulatório após a edição da LC 87/96.

Por essas razões, portanto, pode-se afirmar que o conceito de telecomunicações constante do art. 60, §1º. da LGT não contém em si a hipótese de incidência do ICMS-Comunicação, mas, em verdade, é contido pela hipótese tributária por ser esta mais ampla.

3. A posição da jurisprudência em face do conceito tributário de comunicação

Os tribunais no desiderato de explorar o conceito tributário de comunicação vêm tentando adaptar a este o conceito regulatório previsto da LGT e disto decorre que há decisões em que o conceito de comunicação da lei tributária ora equivale ao art. 60 §1 (telecomunicação), ora equivale ao caput do art. 60 (serviços de telecomunicações) e mesmo ao art. 60, §2º (estações de telecomunicação).

Em escorreita análise dos elementos tributários e regulatórios, temos julgado da 1ª. Seção do STJ (votação unânime) em acórdão de lavra do Ministro Francisco Falcão, no RMS 11.368-MT que assim decidiu:

“(...) O escorreito desate da lide, portanto, impõe a discriminação entre o serviço de telecomunicações (atividade final) e o ato de habilitação do telefone celular (atividade intermediária), sendo certo que somente aquele sofre o gravame do ICMS.
Sobressai, in casu, a manifesta intenção do Convênio ICMS nº 69/98 de dilargar o âmbito de incidência do referido tributo, ao dispor na sua cláusula primeira que:
"Cláusula Primeira. Os signatários firmam entendimento no sentido de que se incluem na base de cálculo do ICMS incidente sobre prestações de serviços de comunicação os valores cobrados a título de acesso, adesão, ativação, habilitação , disponibilidade, assinatura e utilização dos serviços suplementares e facilidades adicionais que otimizem ou agilizem o processo de comunicação, independentemente da denominação que lhes seja dada." (grifei)
Destarte, o ato de habilitação de aparelho celular não pode confundir-se, permissa venia, com serviço de telecomunicação, uma vez que não é mais do que um meio preparatório para a fruição do serviço a ser efetivamente prestado, esse sim, de telecomunicação.”


A análise, perfeita, separou e segregou um “serviço de telecomunicações” (art. 60 caput da LGT) do serviço de “telecomunicação” (art. 60 §1º. Da LGT e Art. 2º, III da LC 87/96).

Já o Tribunal de Justiça da Paraíba deduziu o conceito tributário de comunicação como expressão sinônima de “serviço de telecomunicações” (art. 60, caput, da LGT), in verbis: (decisão reformada pelo STJ - RESP 678.462)

"CONSTITUCIONAL E TRIBUTÁRIO – Apelação – Ação Ordinária – ICMS – Serviços de comunicação – Hipóteses de incidência elencadas em linhas gerais pela Lei Complementar 87/96
– Convênio 69/98 – Elenco das atividades – Acesso, adesão, ativação, habilitação, disponibilidade, assinatura e utilização de serviços – Meios necessários para possibilitar a oferta de comunicação – Incidência do imposto – Legalidade – Desprovimento do apelo.
- Modificando pensamento anterior, tenho que o Convênio 69/98 em nenhum momento criou nova hipótese de incidência, mas tão somente explicitou as atividades dispostas em linhas gerais pela Lei Complementar 87/96, cumprindo a missão de identificar quais são os atos que compõem os serviços de comunicações aptos à incidência do tributo, em suplementação à legislação complementar e à Constituição Federal que tratam de maneira geral dos serviços que constituem a base de cálculo do ICMS.
- O art. 60, da lei 9.472/97 (Lei Geral das telecomunicações), é cristalino em dizer que o conceito de telecomunicação envolve não apenas a comunicação propriamente dita, mas todas as atividades que possibilitem a oferta de telecomunicação."

Já o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, em votação por maioria na AC 70017334145, DJ de 27 de junho de 2007, assim decidiu:

“No mérito, procede o recurso, uma vez que os serviços de habilitação, de adesão, ativação, disponibilidade, assinatura e utilização, bem como aqueles relativos a serviços suplementares e facilidades adicionais que otimizem ou agilizem o processo de comunicação, previstos no Convênio ICMS nº 69/98 integram o preço e, por isso, estão sujeitos à incidência do tributo. Não cabe a discussão detalhada (as parcelas do preço), vale o todo, o conjunto dos serviços prestados. Não se sustenta a alegação de que algumas das atividades não integram o serviço e por isso fora do campo de incidência do imposto”

Esta decisão, em seus termos práticos, transforma a própria fatura apresentada pela operadora em base de cálculo do ICMS-Comunicação. É bom lembrar que na fatura há parcelas que se referem à comunicação propriamente dita, a serviço de telecomunicações (atividades meio) e valores vinculados à infra-estrutura eventualmente disponibilizada aos clientes e que estariam diretamente referidos ao conceito regulatório de “Estação de telecomunicações” (art. 60 §2º. da LGT).

Visto o que se colocou até aqui podemos afirmar que o poder judiciário, de fato, vem tendo alguma dificuldade em definir a base de cálculo do ICMS-Comunicação e que em grande parte essa dificuldade está estreitamente vinculada ao uso de conceitos externos à legislação tributária.

A tentativa de simplificar a definição da base de cálculo mediante a utilização de conceitos emprestados na Lei Geral de Telecomunicações causa distorções que vem sendo objeto de análise cuidadosa do Superior Tribunal de Justiça, que por sua vez impõe a observância do conceito tributário de comunicação.

Assim, é possível concluir que o poder judiciário ao buscar o conceito de comunicação a partir da LGT não deve olvidar a aplicação inafastável da LC 87/96. Note-se que, a uma, o uso exclusivo da LGT pode afastar hipóteses de incidência, a prejuízo dos Estados-membros, na medida em que a LC 87/96 é mais abrangente, no sentido de abarcar qualquer espécie de comunicação, e, a duas, para evitar que o uso exclusivo da LGT leve a interpretações que busquem o conceito de comunicação ora no art. 60 caput da Lei 9472, ora no art. 60 §1º., e ora entendendo que qualquer evento vinculado, direta ou indiretamente, com a atividade, seja passível de ensejar o aumento da base de cálculo do ICMS-Comunicação, quando reconhecido e cobrado em fatura (art. 60 caput, §1º. e §2º).

4. O sistema tributário de direito positivo, sistema regulatório de direito positivo e Ciência do Direito

Feita essa breve digressão sobre o conceito tributário de comunicação e o conceito regulatório de telecomunicação, e a imbricação de ambos na jurisprudência tributária, temos que verificar se há sustentáculo na Ciência do Direito para tal.

É fato que a utilização de conceitos hauridos na LGT e em regulamentos da ANATEL (sistema regulatório de direito positivo) permitiria supor a inexistência de conceitos próprios nas prescrições legais de Direito Tributário (sistema tributário de direito positivo). Teríamos uma lacuna em um sistema de direito positivo (tributário) que estaria sendo suprida pela transposição de um conceito de outro sistema (regulatório). É nesse ponto que temos que verificar: (a) a possibilidade de transposição do conceito entre sistemas de direito positivo e, (b) a “validação” dessa transposição pela Ciência do Direito.

Paulo de Barros Carvalho assim leciona

“O exame concreto dos vários sistemas de direito positivo chama a atenção para a existência de lacunas e contradições entre as unidades do conjunto. (...) Todavia, em face de dois preceitos contraditórios, ainda que o aplicador escolha uma das alternativas, com base na primazia hierárquica (norma constitucional e infraconstitucional) ou na preferência cronológica (a lei posterior revoga a anterior), remanesce a contradição, que somente cessará de haver, quando uma das duas regras tiver sua validade cortada por outra norma editada por fonte legítima do ordenamento.
Agora, se isso de fato ocorre nos diversos sistemas de direito positivo, não acontece no quadro sistemático da Ciência do Direito. Toda ciência requer a observância estrita da lei lógica da não-contradição, de modo que a permanência de dois enunciados contraditórios (...) destrói a consistência interior do conjunto, esfacelando o sistema.”

Entre sistemas de direito positivo (tributário e regulatório) e admitindo que a suposta lacuna se encontre no sistema tributário de direito positivo, qual fosse, o conceito de comunicação, antes mesmo de se propor uma análise da Ciência do Direito acerca do uso de conceitos do sistema regulatório de direito positivo para a supressão da mesma (lacuna), já há inconsistência lógica retratada na impossibilidade de uma suposta lacuna em lei complementar, que tenha por objeto a hipótese de incidência do ICMS-Comunicação, ser suprida por um conceito de lei ordinária, como a LGT, (ou outras normas infralegais da ANATEL). Note-se que a Constituição qualifica a fonte para esse fim, em face do que dispõe do art. 155, § 2º., XII, “i” da CF/88 (definição da base de cálculo do ICMS-comunicação em Lei Complementar).

Vale notar que esse fenômeno da constitucionalização do Direito Tributário é um fato peculiar de nosso país e que por sua vez impede a importação de soluções prontas de outros países na tarefa da conceituação das hipóteses de incidência.

Não há a menor dúvida de que no sistema americano, e com a autonomia das agências reguladoras naquele país, a influência destas na determinação dos conceitos tem uma amplitude muito maior. Ocorre que no Brasil uma atitude da ANATEL, dessa natureza, caracterizaria invasão a âmbito reservado pela Constituição à Lei Complementar.

Essa estrutura indicava e indica claramente ao legislador ordinário, e entes regulatórios, o desejo do constituinte de não interferência das normas e regulamentos posteriores naquilo que foi definido como sistema tributário constitucional brasileiro.

Daí já temos a conclusão, óbvia, de que se limitada a legislação infraconstitucional em matéria tributária, muito mais limitada (ou mesmo de fato proibida) é a interferência das normas regulatórias na “definição” das hipóteses de incidência e amplitude das bases de cálculo de impostos que guardem vinculação a alguma atividade sujeita à regulação.
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[1] Nº 331 CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. LEGALIDADE (mantida) - Res. 121/2003, DJ 19, 20 e 21.11.2003
I - A contratação de trabalhadores por empresa interposta é ilegal, formando-se o vínculo diretamente com o tomador dos serviços, salvo no caso de trabalho temporário (Lei nº 6.019, de 03.01.1974).
II - A contratação irregular de trabalhador, mediante empresa interposta, não gera vínculo de emprego com os órgãos da administração pública direta, indireta ou fundacional (art. 37, II, da CF/1988).
III - Não forma vínculo de emprego com o tomador a contratação de serviços de vigilância (Lei nº 7.102, de 20.06.1983) e de conservação e limpeza, bem como a de serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador, desde que inexistente a pessoalidade e a subordinação direta.
IV - O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços, quanto àquelas obrigações, inclusive quanto aos órgãos da administração direta, das autarquias, das fundações públicas, das empresas públicas e das sociedades de economia mista, desde que hajam participado da relação processual e constem também do título executivo judicial (art. 71 da Lei nº 8.666, de 21.06.1993).
[2] É certo que a IN 003/2005,(regulamento expedido pelo INSS) estabelece diversas hipóteses em que há tanto a redução da base de cálculo da retenção quanto a não caracterização de cessão de mão-de-obra
[3] A doutrina construiu um elemento adrede à prestação onerosa, que é a prestação onerosa a terceiro.
[4] Toda a infra-estrutura de telecomunicações depende de desenvolvimento de sistemas próprios para a tarifação, controle de equipamentos de telecomunicação e rotinas internas das empresas.
[5] As fibras óticas e os cabos necessários à prestação do serviço de telecomunicação estão presentes ao longo de rodovias, ferrovias, postes etc. Basta uma observação mais atenta das advertências nas estradas para concluir que se não pode escavar nas proximidades das mesmas em face de haverem cabos enterrados.
[6] A infra-estrutura de telecomunicação necessita intensivamente da atividade de instalação de linhas nas casas dos clientes, montagem de torres, instalação das centrais de comutação e equipamentos que viabilizam seu uso, como ar condicionado, etc.

1 Comments:

Blogger rosa said...

Meus parabéns pelo artigo!
Agradeço igualmente pela generosidade em compartilhar seus conhecimentos.
Estou fazendo uma monografia sobre a incidência de ICMS sobre serviços de comunicação, sendo que, qualquer reflexão a respeito é valiosa.
Mencionarei este artigo se precisar transcrever algo ou inserir alguma observação relevante ou original.
Rosa M. Meneguzzi

2:23 PM  

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