Direito Tributário Empresarial

É o presente para arquivar, e a quem interessar tornar disponível, algumas divagações no campo do Direito Tributário Empresarial, da Filosofia e outras áreas afins. Lauro Arthur G. S. Ribeiro - Advogado, Professor Substituto (UFPR - 2005/2006) Correções, críticas, sugestões: lauro.r@gmail.com

quinta-feira, janeiro 13, 2005

O Sujeito de Direitos Humanos - A Sobreposição ao Poder Estatal e a Crise da Soberania.

INTRODUÇÃO
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O presente breve estudo pretende abordar a questão do sujeito de direito frente aos vários ordenamentos positivados, sua relação (do sujeito) com a existência e necessidade de uma nacionalidade e a causa dessa existência e necessidade (de uma nacionalidade) como conseqüência extrínseca de um fenômeno histórico que se está exaurindo pela evolução dos povos no sentido da transnacionalidade.
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A presente análise buscará, através do uso da razão pura, a solução teórica e científica para os fenômenos causados pela criação dogmática da suposta existência de “humanos diferentes”: orientais e ocidentais, bárbaros e romanos etc.
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Buscar-se-á demonstrar o vislumbre da falência das idéias que ensejaram o estabelecimento de modelos de identificação de diferenças qualificadoras (e desqualificadoras) de povos, na exata e específica medida da superveniente irrelevância dos aspectos territoriais e temporais em face das habilidades e capacidades humanas como recurso escasso a serem administrados ao bem de toda a humanidade.
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Demonstrar-se-á que a consciência da importância da excelência da boa distribuição das habilidades e capacidades humanas a todos irrestritamente torna vazia de importância às nações o fato de o bem desejado por um ser humano em relação a outro, onde quer que esteja, deva observar os interesses de não distribuição deste bem, por um estado ao qual este cidadão dotado de virtude (Tugend), altruísta, “pertence”.
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Sob este foco restará evidenciado que a humanidade anda a passos largos no sentido da crise da idéia de exclusiva segregação de direitos a territórios e estados, e, por fim, dar-se-á a conclusão de nascimento da idéia de transnacionalidade de direitos, que no sentido de seu avanço abrangerá cada vez mais direitos, tanto no plano internacional positivado e garantido, quanto no plano das pessoas, sujeitos de direitos, o que lhe garantirá eficácia.
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CAPÍTULO I
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1. Observações do mundo empírico.
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1.1 O Aparecimento do “outro” e a evolução de sua representação.
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Ao final da idade média, na Europa, começou a ganhar delineamentos a idéia de civilização .
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A razão da existência de uma determinada civilização era, naquele tempo, demonstrar as diferenças entre uma categoria de gentes, os bárbaros, e a outra categoria, a dos não bárbaros. Havia à época uma convicção (Überzeugung) de que, apesar das óbvias semelhanças físicas, haviam várias diferenças (em especial aquelas derivadas dos dogmatismos típicos da época) que obstavam a conclusão de possuírem aquelas duas civilizações um mesmo eidos, traço comum.
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Nesse ponto ganha contornos e limites claros o que seja um “outro” pós-mediaval ou um “outro” de outra civilização, já que surge a representação (Vorstellung) do mesmo.
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Na medida em que o conhecimento territorial do mundo avança, o corte epistemológico do conhecimento dos “novos” humanos encontrados era dado sempre pela identificação de suas respectivas civilizações (incas, maias, aborígenes etc.), os quais (humanos) eram qualificados e consequentemente categorizados, formando a cada nova civilização um novo “outro” humano identificado.
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As novas civilizações, por sua vez, tinham suas características próprias: rituais, língua, direito (recht), deveres (strenge Pflicht e weitere Pflicht) etc.
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Derivamos então para um período de conflitos entre essas civilizações, entre esses “outros” entre si , cujo objetivo desde os romanos não foi outro senão tentar comprovar a superioridade de uma civilização sobre a outra, tornando o perdedor mais uma espécie de “bárbaro” moderno, contemporâneo, pós contemporâneo etc.
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A guerra do Iraque hoje, assim como o conflito no Afeganistão , só o são sob o argumento da civilização norte-americana de que aqueles são “bárbaros” , onde a principal características dessa sua condição é a não vigência de “democracia” em seus territórios!
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Tal espiral beligerante sofreu interrupção, entre as civilizações mais poderosas, quando estas civilizações adquiriram a capacidade de extermínio total da raça humana , o que veio com o advento dos artefatos nucleares e sua produção em massa.
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A partir de então substituiu-se o discurso de conquista de controle de poder pela via direta da guerra pela necessidade de uma ordem internacional.
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E é exatamente na perda de sentido do embate que nascem várias correntes que agora, depois da 2ª Guerra Mundial, conseguem representar a humanidade como um todo supranacional, transnacional. É desta época a Declaração dos Direitos Humanos.
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1.2 História dos Direitos Humanos – uma inafastável perspectiva .
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1.2.1. Direitos Humanos na Antiguidade (dados da obra de João Baptista Herkenhoff)
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A idéia de Direitos Humanos e Direitos para toda uma humanidade não se confunde. Primeiramente porque “direitos humanos” podem ser quaisquer direitos atribuídos a seres humanos, como tais (direitos humanos), “pode ser assinalado o reconhecimento de tais direitos na Antiguidade: no Código de Hamurabi (Babilônia. século XVIII antes de Cristo), no pensamento de Amenófis IV (Egito. século XIV a. C). na filosofia de Mêncio (China. século IV a. C), na República. de Platão (Grécia. século IV a. C.), no Direito Romano e em inúmeras civilizações e culturas ancestrais ”.
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Como antes sustentado, inexistindo a concepção de unidade de uma humanidade, o estado impunha soberano suas determinações, estando os súditos de todos os estados na condição de submissão de cada qual ao seu respectivo estado. Assim na antigüidade não se conhecia o fenômeno da limitação do poder do estado. As leis que organizavam os estados não atribuíam ao indivíduo direitos frente ao poder estatal. Quando Aristóteles definiu “Constituição”, tinha diante de si esse tipo de legislação.
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Não obstante tenha sido Atenas o berço de relevante pensamento político. Não se imaginava então a possibilidade de um estatuto de direitos oponíveis ao próprio estado.
Sem garantia legal, diferentemente dos dias de hoje onde existem instituições internacionais que conseguem impor suas decisões (OMC, TPI etc.) os “direitos humanos” padeciam de certa precariedade na estrutura política. O respeito a eles ficava na dependência da virtude dos governantes.
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1.2.2. Direitos Humanos na atualidade: o “consumo interno” dos mesmos.
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Na atualidade o que se observa é uma preponderância da idéia de Direitos Humanos apenas para consumo interno. Observa-se nesses casos uma contradição inexplicável: no âmbito interno, vigoram os direitos humanos, nas relações com os países dependentes, vigoram os interesses econômicos e militares.
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Exemplo clássico foi o recente desastre na Indonésia e a atitude americana. Centenas de milhares de pessoas mortas, inclusive um número maior de americanos turistas mortos do que soldados de mesma nacionalidade no Iraque, o povo americano, através de seu presidente recentemente eleito, atuando de estrito acordo com seus imperativos categóricos, fez uma doação equivalente a metade do valor que será gasto em sua posse, e três vezes maior do que doou Michael Schumacher, um desportista!
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Sob as legítimas críticas de toda a humanidade, viu-se obrigado até mesmo o governo americano a ceder e preparar a maior operação humanitária desde a guerra do Vietnã. Justificativa: a preservação da humanidade como uma obrigação de todos os povos!
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Não se olvida porém que esse mesmo “consumo interno” enseja a declaração de guerras entre estados.
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Os mesmos interesses econômicos e militares (na relação de estados dependentes) justificam também o patrocínio da guerra, sob a bandeira de paz da ONU. Isto aconteceu, por exemplo, na Guerra do Golfo Pérsico, quando a ONU, sob a pressão das grandes potências, esqueceu seu compromisso de “proteger as gerações futuras contra o flagelo da guerra”.
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Para que tais desvios não continuem a acontecer, alguns juristas italianos (Salvatore Senese, Antonio Papisca, Marco Mascia, Luigi Ferrajoli e outros) têm defendido que uma nova ordem mundial se constitua, não sob o império dos interesses dominantes, mas tendo, ao contrário, como sujeito da História a família humana presente e futura.
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Nota-se, ainda, no interior de certas nações poderosas, onde a situação é de plena vigência dos direitos humanos, quando se trata de nacionais “puros”, o desrespeito aos mesmos (direitos humanos) quando as pessoas envolvidas são imigrantes ou clandestinos, minorias raciais e minorias nacionais . Tal fenômeno só se explica pela equivocada visão dos direitos humanos como extensão do direito local, ao invés de sua real acepção que é de aplicação irrestrita a quem nasce humano e, em relação ao ordenamento local, principiológica .
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1.2.3 A emergência do “proletariado” como força política – a ascensão da condição de súdito de um estado a ser humano de uma humanidade.
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Adoto a referência histórica de João Baptista Herkenhoff neste ponto, conforme segue:
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Ultrapassados os ideais do liberalismo, que inspirou o Estado dos proprietários, a emergência do proletariado como força política assinalou nova época na história dos “Direitos Humanos”.
Já não bastava o “Estado de Direitos”. Colimava-se o “Estado Social de Direito”.
As aspirações do proletariado encontram ressonância em alguns documentos famosos. Esses buscam ajustar o pensamento político à emergência de um novo ator social, ao lado de direitos simplesmente individuais:
a) a Proclamação das Quatro Liberdades, de Rossevelt – a de palavra e expressão, a de culto, a de não passar necessidade, a de não sentir medo (1941);
b) a Declaração das Nações Unidas (Washington, 1942);
c) as conclusões da Conferência de Moscou (1943);
d) as conclusões da Conferência de Dumbarton Oaks (1944);
e) as conclusões da Conferência de são Francisco (1945);
f) e, finalmente, o mais importante, conhecido e influente documento de “direitos humanos” da História: a Declaração Universal dos Direitos Humanos, proclamada pela Assembléia Geral das Nações Unidas em 10 de dezembro de 1948.
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Esse é, em resumo, o histórico da ascensão dos direitos humanos à condição de direitos transnacionais, já que por estes documentos iniciou-se o fenômeno da submissão dos estados a um regramento internacionaol que fez de todos os súditos, de todos os estados, sujeitos de um mesmo direito e entes de uma mesma “instituição”: a pura e simples humanidade!
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1.3 A Declaração Universal dos Direitos Humanos e o “outro”
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O fato relevante quando se fala em Direitos Humanos e sujeito de direito, não sob a ótica daquele que já é sujeito, mas sob o foco daquele que pode vir a ser, é que não existe um estrangeiro, por exemplo, para este particular direito. Pode existir um estrangeiro para o estado, ou talvez seja um estrangeiro, em relação ao sujeito, que garantirá esse direito , mas não para o direito em si, que é transnacional.
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O objetivo claro e insofismável da existência da Declaração Universal dos Direitos Humanos foi dar um passo adiante no sentido daquilo que Kant diz ser o propósito da doutrina final do direito: a Paz Universal.
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Na verdade quando estava redigindo o presente trabalho cheguei a questionar a “atualidade” de Kant.
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Hoje entendo perfeitamente meu equívoco, já que em metafísica kantiana não se há falar em atualidade.
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O que ocorre com Kant, em verdade, e na minha exclusiva opinião, é a não continuidade de sua obra, já que em 1804, ano de sua morte, a finitude física, territorial, do planeta terra havia sido objeto de recente afirmação, por ele reconhecida quando abre o tópico do “Direito Cosmopolita” falando que todas as noções se acham numa comunidade no globus terraqueus. Daí porque não poderia Kant trabalhar, com a mesma profundidade que tratou outros temas, a questão da unidade da humanidade e do traço comum de todas as civilizações conhecidas , dado o fato de ser este conceito (a existência de uma totalidade de civilizações e finitude numérica das mesmas) novo para a época.
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Talvez Kant pudesse tratar de uma metafísica das civilizações e da humanidade e tal obra por certo seria de leitura obrigatória nos dias de hoje. Nesse ponto é de se lamentar uma única finitude: a do Filósofo.
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1.4 Todos os seres humanos como sujeitos de Direito Internacional
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Assim trata da matéria a Prof. Dra. Flávia Piovesan, que leciona no mestrado da PUC-PR :
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Eu começaria pela concepção contemporânea de direitos humanos, resgatando um pouco a fala do Professor Dalmo no que tange ao início da globalização e universalização desses direitos, e aqui eu salto historicamente para o pós-guerra. O pós-guerra significa, na história dos direitos humanos, a grande ruptura, e com ele nasce o grande esforço de reconstrução de uma plataforma comum de ação no que tange aos direitos humanos. A concepção a que eu me filio neste trabalho se refere a essa concepção erguida há cinqüenta anos atrás e reiterada há cinco anos na Conferência Mundial de Direitos Humanos de Viena. Então, a Declaração nasce em resposta às atrocidades, aos horrores, à barbárie do nazismo. Foram necessárias dezoito milhões de pessoas passarem por campos de concentração, onze milhões de pessoas neles morrerem - sendo que seis milhões eram judeus - para que a comunidade internacional então buscasse construir um parâmetro internacional de dignidade humana que transcendesse os regionalismos e a diversidade cultural dos povos. Quer dizer, a Declaração contém, não o máximo, mas o mínimo para uma vida com dignidade. Na realidade o pós-guerra, a Segunda Guerra melhor dizendo, significa essa ruptura, significa fundamentalmente a ruptura com a visão jusnaturalista que acreditava que, por ser pessoa, eu tenho direitos independentemente da minha raça e de minha cor, nacionalidade, condição social, religião. E ergue-se esse patamar que busca de certa maneira resgatar esse jusnaturalismo através de instrumentos do positivismo jurídico. O Professor Dalmo deu o panorama bastante preciso e claro de que a Declaração é um marco na construção do direito internacional, dos direitos humanos, é o primeiro documento e, a partir dele, outros tantos tratados têm sido elaborados: convenções a favor das mulheres, contra a discriminação racial, a favor dos direitos das crianças... Agora, na ONU, está em pauta uma convenção em prol dos defensores de direitos humanos. Quer dizer, os direitos humanos são um construído - não são um dado - são um construído histórico. E esse processo mostra exatamente isso. De toda feita, há todo esse esforço de reconstrução do paradigma dos direitos humanos e isso acaba trazendo dois reflexos fundamentais.
O primeiro deles é o repensar a respeito da soberania nacional do Estado, a revisão da noção tradicional de soberania absoluta do Estado, que passa a sofrer uma relativização, uma flexibilização, na medida em que são admitidas intervenções em prol dos direitos humanos. E, além disso, a visão de que nós, indivíduos, como o Professor Dalmo ressaltava, passamos a ser concebidos como sujeitos de direito internacional. Quer dizer, há democratização do cenário internacional do qual apenas os Estados participavam, nós também passamos a ser sujeitos de direito internacional.
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Anna Yeatman também capta essa tendência em seu artigo Who Is The Subject of Human Rights , conforme segue:
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Human rights discourse, then, is not simply an ideal discourse without any purchase in the real world of states, peoples, and individuals. Like all discourses of legitimacy, it commands the high ground when the standards of legitimacy involved command wide acceptance. Contemporary human rights discourse articulates the normative historicity of a postcolonial and post Holocaust era at a time when globalism has intensified the dynamics of international migration and diasporas. Globalism has also extended the reach and scale of the market economy, to more or less extent. What Kant (1970) called the idea of cosmopolitan rights depends on individuals, peoples and states regarding themselves as belonging to a universal state of mankind (ius cosmopoliticum) (pp.98-99). Kant (1970) distinguished between (a) “the civil right of individuals within a nation (ius civitatis)”, (b) “the international right of states in their relationships with one another” (ius gentium)”, and (c) “cosmopolitan right, in so far as individuals and states, coexisting in an external relationship of mutual influences, may be regarded as citizens of a universal state of mankind (ius cosmopoliticum)” (pp. 98-99). Ours is an era when the idea of cosmopolitan right can be resisted, twisted, suppressed, and repressed, but its moral force and practical salience remain unassailable.
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O resumo então é de que é sujeito de direito o ser humano, e em se tratando de Direitos Humanos, todos são sujeitos de direito, ficando somente a expectativa de eficácia plena transnacional dos mesmos. Nesse plano, da pura eficácia, temos a expectativa de eficácia desse direito, mas não a expectativa de sermos sujeitos do mesmo, já que desde sempre, ou ao menos a partir de 1948, o somos (sujeitos).
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CAPÍTULO II
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2. O Sujeito e o Direito Cosmopolita
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Kant define o Direito Cosmopolita como sendo aquele que diz respeito à possibilidade de união das nações com vistas a certas leis universais para o possível comércio entre elas (MC Seção III §62).
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Além desse aspecto “entre nações” diz o filósofo que “não pode ser suprimido o direito de todos os cidadãos do mundo de procurar estabelecer relações comuns com todos e, para tanto, visitar todas as regiões da terra”.
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Daí deduz-se que qualquer regra que obste o estabelecimento de relações legítimas entre pessoas de deferentes nações, sob o ponto de vista da boa virtude, padece de legitimidade.
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A questão dos direitos transnacionais, como citado no Capítulo I, tal qual a OMC, o Tribunal Penal Internacional (CF art. 5º §4º), os ditames do Pacto da Costa Rica (CF art. 5º §1º) e a Declaração Universal dos Direitos Humanos, são na verdade princípios a serem observados numa reforma paulatina, constante em busca da paz universal.
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Assim se estabelece uma relação do sujeito desse direito com as nações, já que esse direito transnacional é a elas (nações) dirigido, e diferentemente do que antes ocorria, hoje pode ser objeto de jurisdição internacional que condenará o estado pela sua não observância. O sujeito de direito passa a sê-lo na exata medida de que surge aos estados a obrigação de cumprir normas internacionais em relação a qualquer ser humano por parte de qualquer estado.
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Sé é verdade que o súdito se submete no território do estado ao direito do próprio estado, não menos verdade é que o estado, no todo territorial (globus terraqueus) se submete, agora, ao um direito cujos sujeitos do mesmo (direito), só o são por serem simplesmente humanos e cuja observância (a esses direitos) é exigida por um órgão supranacional, observando-se que se deu o direito pela humanidade a um único humano (por exemplo o presidente do Tribunal Penal Internacional) a condenar um estado a reparação de uma violação a essa legislação (genocídio dos curdos no Iraque, ou o julgamento sobre o muro que Israel está construindo na Palestina, por exemplo).
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Sob a ótica de direitos da humanidade, indubitável que o traço comum a me tornar um sujeito desse direito é o fato de ser considerado humano, e que esse pressuposto humano (estrangeiro ou não) deve ser respeitado (na extensão dos direitos transnacionalmente garantidos a essa categoria) como pressuposto de qualquer edição de lei local, lei territorial, ou lei de um estado qualquer, sob pena de, violado o direito inerente à humanidade, ver esse estado sua legitimidade, enquanto tal (de estado), contestada por qualquer outro (estado) que respeite esses direitos transnacionais .
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Assim, é de se considerar como pressuposto do Direito Cosmopolita, hoje, a observância dos princípios transnacionais sob pena de ver-se o estado punido (em legislação agora positivada) na forma da norma internacional (no Brasil art. 5º § 4º da Constituição Federal).
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2.1 O Sujeito e sua relação com a pátria e a humanidade
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Diz Kant que “O país (territorium) cujos habitantes são seus cidadãos simplesmente com base em sua constituição, sem a necessidade de executar qualquer ato especial que estabeleça esse direito (e, assim, são cidadãos por nascimento) é chamado de sua pátria”.
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Assim, assiste ao estado, entre outros, a observância da relação da pessoa ali nascida como súdito, o direito de estimular a imigração (estabelecimento de estrangeiros - colonos), bem como o direito de banir (deportá-lo) e o direito de desterrá-lo.
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A essa idéia de direitos do estado sobrepõe-se hoje a idéia dos direitos humanos. Exemplo clássico é a recente condenação do estado iraquiano pelos vários atos atentatórios dos direitos e dignidade do povo curdo (que se tentou banir do território iraquiano), bem como responde o estado de Israel no Tribunal Penal Internacional pela ilegal segregação de palestinos em seu terrítório.
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Esse direito que se garante ao povo curdo e palestino, e que se encontra como objeto atual de tutela internacional (jurisdição internacional), vê a solução da controvérsia pelo foco da inobservância estatal de um direito coletivo, do povo curdo e de qualquer curdo, e do povo palestino e de qualquer palestino.
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Dizer que o estado não cumpriu uma obrigação a si imposta pela “humanidade ” e por ela está sendo julgado, implica em reconhecer que existe uma obrigação do estado para com todos os humanos que vivam sobre seu território (cidadãos, assim reconhecidos pelo estado, ou não), para com ele próprio (e para com os estados subscritores do contrato que mitiga a soberania em matéria jurisdicional) e para com a humanidade como um todo.
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CONCLUSÕES
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Kant estabelece a paz perpétua como objetivo final da doutrina do direito dentro dos limites da razão, bem como que essa paz perpétua somente será atingida desde que assegurada sob as leis de uma multidão de serem humanos que vivem próximos uns dos outros e, portanto, submetidos a uma constituição.
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Depois do advento da Internet a expressão próximos uns dos outros ganha definitiva dimensão mundial, atingindo todo globus terraqueus.
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As leis de uma “multidão de seres humanos” já desde 1948, com a Declaração Universal dos Direitos Humanos, vêm se formando e ganhando legitimidade e eficácia a ponto de a humanidade conseguir impor à maior potência econômica a obrigação de atender as vítimas dos tsunamis em um valor muitas vezes maior do que o inicialmente pretendido.
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O fato de uma potência econômica perder legitimidade para a “potência moral” de toda uma humanidade, ou em outras palavras, o fato de o estado americano abrir mão de seu poder decisório sobre suas riquezas, restando obrigado moralmente a abrir seus cofres e atender às vítimas do desastre na Indonésia, trás o indicativo do nascimento de uma outra república, sem cara de estado, e que consegue, no limiar do século XXI, iniciar um processo de sobreposição de idéias e de poder.
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Nascem os direitos dos sujeitos da Indonésia e de qualquer outra parte do mundo, de serem sujeitos do direito à assistência, à ajuda e à distribuição de víveres quando necessário, pelo simples fato de serem humanos. É o fim do “consumo doméstico” dos Direitos Humanos e por extensão, a sua eficácia cada vez mais ampliada e vinculada à idéia do simples ser humano, “desqualificado” de sua nacionalidade.
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Com vislumbrar dessa comunidade única, humana, e da paz perpétua dela decorrente, e com o fim dos estados como hoje os conhecemos e os conflitos entre suas respectivas civilizações, é certo que se torna possível e legítima uma nova evolução da humanidade.
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E sobra, então, a idéia de paz perpétua de John Lennon, de maneira simples cantada na canção Imagine, que de aparente pouca realidade jurídica, ganha, com o tempo passando, cada vez mais os contornos de uma realidade pouco utópica e que nos faz todos, indubitavelmente, sujeitos de um mesmo direito.

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