Direito Tributário Empresarial

É o presente para arquivar, e a quem interessar tornar disponível, algumas divagações no campo do Direito Tributário Empresarial, da Filosofia e outras áreas afins. Lauro Arthur G. S. Ribeiro - Advogado, Professor Substituto (UFPR - 2005/2006) Correções, críticas, sugestões: lauro.r@gmail.com

terça-feira, agosto 23, 2005

A Ética e a Empresa Contemporânea - Uma Perspectiva Sobre o Lucro e a Responsabilidade Social.

INTRODUÇÃO
.
“Ética” e “Empresa” são conceitos que há muito vagam pela história da humanidade. Não é difícil tanto ao filósofo quanto ao jurista vislumbrar momentos em que ética e empresa, enquanto institutos cognoscíveis das respectivas ciências, já puderam ser vistos como intrínsecos um ao outro ou momentos em que houve nítida contradição entre a atividade da empresa e a própria moral, v.g. a escravidão, esta ainda existente no Brasil conforme dados da OIT.
Há nesse início de século, em nossa sociedade e em nosso estado contemporâneo, um apelo inegável à ética e à moralidade na atividade empresarial.
E a ética, enquanto disciplina que propõe compreender os critérios e os valores que orientam o julgamento da ação humana, procurando esclarecer como é possível apontar que determinada forma de conduta seja moralmente certa ou errada, desempenha papel fundamental no desenvolvimento de novos conceitos e valores para a empresa contemporânea.
À ética, enquanto ciência que se desenvolve no seio de uma sociedade dinâmica, a busca filosófica infinda de identificação perfeita de algo que se sabe existente e intrínseco à existência de uma comunidade. À empresa a atuação “para o estado”, de acordo com sua lei, e “para a sociedade” nos limites de seus auspícios éticos. É desse casamento de atuação empresarial e existentes valores morais da comunidade em que resta inserida a corporação que se depreende a relevância do tema ora proposto.
Pretende-se demonstrado que se não confundem (i)a ética abstrata do filósofo, (ii)a análise de fundo legal da atuação da empresa feita pelo estado ou mesmo (iii)a valoração ética, feita por qualquer sujeito, das atividades de determinada pessoa jurídica ou mesmo física que esteja buscando haurir renda, sobras ou lucros.
É forte nessas primeiras observações que se buscará dar contornos legais e éticos à empresa do estado brasileiro contemporâneo, notando as recentes alterações legais que trouxeram, dentre outras, a função social do contrato, e o “renascer” da ética como vetor indicativo de atitudes e decisões empresariais.
.
1.1 Deontologia Empresarial e o Ambiente do Século XXI
Assunto dos mais debatidos na atualidade do mundo empresarial é o renascer da ética como elemento a influir nas decisões daqueles que exercem os cargos de direção de qualquer corporação, ou mesmo na aplicação do capital pelo investidor não administrador.
A sociedade da Internet não é a sociedade que freqüentava o Rialto, em Veneza, onde surgiram os primeiros barcos comerciais do mundo há mil anos atrás. As informações sobre um homem de negócios que antes circulavam na velocidade dos passos de uma pessoa por aquela cidade renascentista, passou a circular com a velocidade da luz e de maneira restrita (enquanto o meio de divulgação era também restrito às redes de rádio e televisão) até o final do século passado quando então houve uma massificação na criação e divulgação da informação pelos próprios destinatários.
Em recentes acontecimentos na Inglaterra - atentados ocorridos no mês de julho desse ano de 2005 - os principais meios de divulgação da informação foram os chamados Blogs, e isso foi reconhecido pela própria imprensa, que se utilizou de dados dos mesmos para fazer sua própria divulgação. As fotos tiradas a partir de telefones celulares em poucos minutos circularam pela internet e chegaram ao mundo inteiro.
Essa breve introdução dá a perfeita idéia sobre como boas ou más notícias sobre qualquer empresa podem, no nosso mundo contemporâneo, “correr” o bairro, a cidade, o país e o mundo e influenciar na decisão de compra de um consumidor. E nessa decisão de compra é que reside o sucesso ou a ruína de uma empresa.
Daí que o administrador contemporâneo, ciente dos riscos à imagem e à própria empresa, inseriu em sua pauta o item relativo a que espécie de juízo de valor pode o consumidor, nesse mundo de informações extremamente abertas, fazer da empresa.
Note-se nesse contexto que a formação de opinião que era de certa forma controlada pelos meios de comunicação, que davam a notícia e vendiam o horário de comerciais às empresas, que por sua vez davam foco, sua interpretação e sua leitura dos fatos, hoje sofre um processo de esvaziamento pela formação entre as próprias pessoas, diretamente, de seu convencimento. E esse fenômeno atinge a imagem das empresas que não mais por artifícios de marketing de rádio e televisão conseguem com facilidade contornar danos à imagem causados por práticas reputadas pela sociedade como violadoras de uma ética.
É nesse novo contexto que deve ser estudada a deontologia empresarial nesse início de século XXI.
.
1.2 Ética e Responsabilidade Social Empresarial
Tema dos mais tormentosos é saber a que (e a quem) serve ter uma empresa responsabilidade social.[1]
Pode-se perceber duas linhas de pensamento no discurso sobre responsabilidade social: a primeira fala (i)da necessidade de as empresas assumirem seus papéis de integrantes de universo social e ajudarem as pessoas a viver melhor[2]; a segunda linha pretende provar que (ii)a responsabilidade social é uma estratégia das empresas para garantir uma boa imagem[3] e, para isso, as empresas colaboram com a sociedade tendo em vista esse específico foco.
Para defender uma ou outra linha de pensamento não há como deixar de olhar às bases filosóficas de mercado.
Segundo Adam Smith, no seu clássico A Riqueza das Nações (1776) duas características do seres humanos que os diferenciam dos demais seres são: a tendência de trocar coisas; e o fato de que os demais animais se tornam independentes e auto-suficientes quando atingem a maturidade.
Essa relação de dependência do ser humano resta consubstanciada na divisão do trabalho e portanto na necessidade de convivência para que se propicie um ambiente propício às necessárias trocas. A necessidade da moral surge exatamente da necessidade de convivência social e de regular e impor limites aos impulsos egoísticos dos seres humanos.
Adam Smith, partindo do pressuposto de que era e é impossível manter uma convivência com uma multidão, passou a defender a tese de que, se mostrarmos ao outro que lhe é vantajoso nos dar o que precisamos, teremos muito mais probabilidade de obter o que queremos.
Daí podemos por a seguinte questão: à luz do que afirmou Adam Smith, filósofo e antropólogo, estaríamos diante da hipótese de uma mudança do administrador/investidor, que passou do egoísmo ao altruísmo por razões que merecem ser dissecadas - essa a primeira hipótese a que alude o segundo parágrafo desse título - ou, então, houve a adoção por parte desses mesmos administradores/investidores de uma atitude que busca demonstrar que ter responsabilidade social é uma maneira de mostrarmos ao outro, em especial o consumidor, que lhe é vantajoso dar o que as empresas precisam, isso para o seu (do consumidor) próprio bem?
A tese Smithiana parte do princípio que o interesse individual é a motivação fundamental da divisão social do trabalho e da acumulação de riqueza, causas últimas do crescimento econômico e, defende Adam Smith, disso decorre o bem-estar coletivo.
A transformação ocorrida por força dessas idéias pode ser resumida na adoção do entendimento de que a defesa dos interesses próprios é a forma substitutiva apresentada à tentativa de solucionar os problemas de convivência pelo altruísmo.
O egoísmo então foi apresentado como uma nova forma (àquele tempo) de “altruísmo” ou “amor ao próximo”.
Adotado o princípio Smithiano, que influencia ainda hoje nossos mercados, a questão ética do ter responsabilidade social resta portanto reduzida à constatação de um critério técnico: a eficácia econômica do sistema de mercado tem intrínsecos o bem estar da coletividade e o egoísmo “altruísta” de cada qual em prol da sociedade.
Daí porque se não admira haver um discurso Aristotélico, da ética das virtudes (que insere o mercado e comunidade num mesmo ambiente metafísico), mais alinhado nesse ponto ao próprio John Stuart Mill, e que tem por contraponto o discurso alinhado às idéias Smithianas, estas últimas baseadas numa filosofia de mercado, que vê resultado social como eficácia econômica e que dominou o mundo dos negócios nos dois últimos séculos.
E feita essa digressão, cabe então questionar à sociedade se esta quer um empresário virtuoso (o patrão do empregado que o bem insere na sua comunidade, o incentivador pró ativo de uma sociedade) ou eficiente sob o ponto de vista econômico (o diretor de resultados para as bolsas de valores) para que se possa então responder à provocação do quê qualifica eticamente um suposto atuar de acordo (ou desacordo) com uma real responsabilidade social.
Por fim, e numa interpretação do que aqui se pôs, não se consegue nem mesmo vislumbrar como se pode qualificar uma empresa de “ética”. A ética de virtudes não se transpõe das pessoas às empresas: as empresas ganham, sim, a assinatura ética de seus administradores enquanto poder de decisão, e de todos os seus colaboradores, enquanto atuação fracionada de cada qual. A tentativa de qualificar a empresa como ética é assim natimorta, apesar de ser essa dicção amplamente utilizada nos dias de hoje para buscar uma melhor imagem para uma marca ou negócio.
.
1.3 Ética e pretensão de lucro
As expressões “amigos, amigos, negócios à parte”, essa de domínio popular, e “Maldito seja o público. Eu estou trabalhando para os meus acionistas” de William Vanderbilt, trazem em si os elementos necessários a considerar que ética pode ser havida da atividade empresarial.
A economia, que lidava com o recurso escasso, no mundo contemporâneo passou a problematizar a questão do desejo de acumulo constante (e indefinido) de riquezas.
Esse desejo de acumular riquezas de uns em detrimento da qualidade de vida do todo da comunidade[4] trouxe à mesa de discussões o que (ou quais) seriam os limites da atividade empresarial, bem como a acumulação constante e indefinida dos resultados da atividade[5]. Aparecem, então, temas como a responsabilidade social das empresas, debatida no item anterior, por exemplo.
Aí é de se observar que Spinosa e Hobbes, tratando da concepção de tipo aristotélico-sartreano e da concepção de tipo estóico-hegeliano[6], ao tratarem das liberdades limitam esta à liberdade do fazer e do querer fixando a liberdade do fazer como opção posta entre vários atos possíveis. Disto decorre que o princípio da legalidade influi somente sobre a primeira das liberdades (a liberdade de fazer), mas jamais a segunda por absoluta impossibilidade de se limitar em lei o que se não apresenta em atos (o querer abstraído de atividade).
Daí porque não se “administra” ética ou legalmente o primeiro querer (elemento puramente cognitivo do empresário administrador), que define os limites da atividade sob o enfoque empresarial (quando ainda somente há riscos e perspectivas de retorno do capital investido). Limita-se sim o fazer[7] derivado desse primeiro querer (esse sim relevante ao direito), que por sua vez é limitado, empiricamente, exclusivamente à atividade empresarial (só se pode pretender valorado ato ocorrido – o ato do empresário) e que nesse momento é desvinculado de um evento incerto, qual seja, o resultado positivo financeiro dessa atividade. É a ética do “ato do empresário” que pretende o lucro, que se não confunde com a ética da distribuição social da renda (lucro ou sobra). Aí fácil ver que existem, sob o foco da ética, duas responsabilidades sociais empresariais sob o enfoque do lucro: a ética do ato de perseguição do resultado positivo e a ética da distribuição social do resultado.
Esse recorte é deveras importante na análise da ética da atuação em face do ponto ora discutido, que é o enriquecimento desejado e não realizado, já que se trata de um querer certo não limitado legalmente, mas que se pode dizer incerto enquanto resultado dependente de variáveis (ainda mais incertas e numerosas, mas que se não pretende focadas no presente trabalho, sendo relevante apenas a nota de sua existência).
Diz-se daí que o desejo de lucro é inerente à atividade não filantrópica; é um querer abstraído e não limitado legalmente (por não ser um fazer), nesse primeiro momento, e bem por isso desvinculado de valoração ética ou moral ou mesmo social através do direito, enquanto norma intrínseca às relações de uma determinada comunidade. Mas, conforme demonstrado acima, não há falar-se em impossibilidade de valoração do que efetivamente se faz em busca do lucro, ainda que este (lucro) inexista ao final de um exercício.
.
2. A Ética e o lucro haurido
Sintetizamos aqui o raciocínio uma vez mais: No âmbito do querer vislumbra o titular do capital sua aplicação mediante risco. Inicia então o iter de execução de seus planos, o fazer, nos limites legais e éticos[8]. Como já afirmado não haveria fazer algum não filantrópico, sem o desejo de lucro (esse inerente à atividade empresarial).
Estabelecida a condição de um novo fazer, derivada da conseqüência do sucesso da empresa, qual seja, a existência de lucro, passa o titular do capital ou seu administrador a notar os “olhos de uma comunidade plúrima” voltados à sua atitude para com a coisa haurida (o lucro) da qual tem disposição de fazer e dar destinação. Houve no Brasil, na melhor aplicação da teoria dos sistemas de Luhman, a politização do tema lucro, que de certa forma “pertence” ao sistema econômico, e disso resultaram normas constitucionais, transferidas ao sistema do direito, que estabelecem obrigações aos empresários.
Na melhor hermenêutica constitucional é necessário que os lucros sejam:
a) objeto de distribuição aos trabalhadores urbanos e rurais, a forma de participação, conforme previsão contida no art. 7º, XI:
Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:
XI - participação nos lucros, ou resultados, desvinculada da remuneração, e, excepcionalmente, participação na gestão da empresa, conforme definido em lei;
b) não aumentados arbitrariamente, conforme previsão do artigo 173 §4º:
“Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei.
§ 4º - A lei reprimirá o abuso do poder econômico que vise à dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros.”
c) contribuam para com a Seguridade Social, na forma do art. 195, I:
Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais:
I - do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na forma da lei, incidentes sobre: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)
a)(...)
c) o lucro; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)
Temos daí quatro categorias mui claras de interessados: o empresário, que com sua atividade obtém o resultado positivo do empreendimento; os funcionários, beneficiados com o direito à participação nos lucros; os que suportam os preços de mercadorias e serviços disponibilizados pelas empresas[9]; e a União Federal, enquanto ente tributante dotado de capacidade tributária ativa.
.
2.1 O empresário e os lucros de sua empresa
O lucro, renda, resultado ou sobra, lícito e fruto de uma atividade empresarial depende do fazer de uma pessoa ou pessoas que assumem riscos.
A regra do retorno financeiro de uma determinada operação obedece a uma relação com o grau de risco assumido. Quanto maior o risco maior o retorno em caso de êxito. Mas há o risco de perda! A opção do indivíduo de correr riscos (ou não) faz com que esse indivíduo busque, por exemplo, a posição de empreendedor, ou funcionário. Só por esse exato motivo não haveria motivo algum, ético, para repartição dos lucros de maneira eqüitativa entre o indivíduo que assume os riscos e aquele que não assume qualquer risco de um empreendimento. Que razão suportaria uma igualdade de distribuição de lucros sem uma igualdade de condições para haurir o que se pretende distribuído?
O que se vê em uma abstração de ordem mais filosófica é que não há falar-se em lucro lícito sem uma empresa (na acepção do termo) e o enfrentamento dos riscos e burocracia para o exercício da atividade objeto da mesma. Não existe, portanto, a possibilidade objetiva de lucro sem empresa e disto decorre que a liberdade de buscar o lucro implica na assunção de riscos por um ou mais indivíduos e esse é o motivo de ordem moral (assunção de riscos) que legitima o percebimento de um retorno maior ou muito maior do que aquele que aplica seu capital sem riscos.
Fácil observar então que a regra econômica do risco-retorno poderia ser um forte indicativo de violação moral ou legal quando se busca em termos concretos o que sejam os lucros arbitrários/abusivos a que alude a Constituição Federal.
Uma atividade empresarial sem riscos gerando retornos financeiros vultosos ao titular do capital é indicativo de violação às leis concorrenciais. De outra banda, uma atividade de risco extremo dando o mesmo retorno financeiro vultoso a um mesmo capital, considerado o exemplo anterior, acaba ganhando plena legitimidade ética. De maneira um pouco mais concreta podemos afirmar que uma empresa que investe R$ 1.000.000,00 (hum milhão de reais) em prospeção de petróleo, uma atividade extremamente arriscada, pode ter um retorno indefinido, um múltiplo desse valor investido. Por outro lado, não se pode conceber ético ou mesmo lícito um lucro de mesma monta, quando, por exemplo, o titular da empresa detém uma concessão pública exclusiva, tal qual as rodovias que restam concedidas sem que o usuário do serviço tenha uma opção de tráfego.
A legitimidade ética do lucro, por si só e na forma como vislumbrada no presente tópico, facilmente ensejaria estudos que poderiam restar consubstanciados em dissertações ou teses. Mas tal não se apresenta viável no presente breve estudo que delineia, quando muito, elementos que sustentam critérios e valores para algum julgamento das ações humanas no caso sob comento.
.
2.2 O empregado da empresa lucrativa
Ao empregado da empresa lucrativa reserva nossa Constituição Federal os ditames do artigo 7º, XI, supracitado e transcrito, que garante aos empregados a participação nos lucros ou resultados, de maneira desvinculada da remuneração.
Algo que poderia ser um por dever kantiano passou a ser um dever legal, uma norma constitucional(!), o que em resumo faz do empregado brasileiro, em hipótese, um beneficiário direto dos eventuais lucros da empresa para a qual trabalha.
A norma, de eficácia reduzida em face das notórias dificuldades de um país que em si tem vários países de fato, realidades distintas que afetam o texto constitucional tornando-o em parte eficaz em um sudeste alfabetizado e uma utopia no sertão nordestino onde os índices de alfabetização desde sempre mantêm-se elevados, faz com que a conscientização do empregador e do empregado restem distorcidas, levando mesmo à ineficácia não só deste dispositivo, como de vários outros.
A vontade do constituinte resta, em muitos dos confins de Brasil, como mera vontade irrealizada.
A Lei 10.101 de 19 de dezembro de 2000, que regula a aplicação do art. 7º, XI, da Constituição Federal, remete à vontade das partes a eficácia do dispositivo constitucional quando impõe a negociação para a formalização de instrumento a regular a participação. E aí se torna ainda mais contundente a necessidade de uma conscientização para que se vislumbre a óbvia conveniência (trabalhista e tributária, dentre outras) da adoção da regular participação nos lucros.
Transcreve-se o texto da norma infraconstitucional:
Art. 1o Esta Lei regula a participação dos trabalhadores nos lucros ou resultados da empresa como instrumento de integração entre o capital e o trabalho e como incentivo à produtividade, nos termos do art. 7o, inciso XI, da Constituição.
Art. 2o A participação nos lucros ou resultados será objeto de negociação entre a empresa e seus empregados, mediante um dos procedimentos a seguir descritos, escolhidos pelas partes de comum acordo:
I - comissão escolhida pelas partes, integrada, também, por um representante indicado pelo sindicato da respectiva categoria;
II - convenção ou acordo coletivo.
§ 1o Dos instrumentos decorrentes da negociação deverão constar regras claras e objetivas quanto à fixação dos direitos substantivos da participação e das regras adjetivas, inclusive mecanismos de aferição das informações pertinentes ao cumprimento do acordado, periodicidade da distribuição, período de vigência e prazos para revisão do acordo, podendo ser considerados, entre outros, os seguintes critérios e condições:
I - índices de produtividade, qualidade ou lucratividade da empresa;
II - programas de metas, resultados e prazos, pactuados previamente.
Nota-se do texto da lei que o comando constitucional que era de participação incondicionada passou a ter que observar “regras claras e objetivas quanto à fixação dos direitos (...)mecanismos de aferição (...)podendo ser considerados (...)I- índices de produtividade, qualidade ou lucratividade (...) II- programas de metas, resultados e prazos, pactuados previamente.
Junto com a participação nos lucros dos empregados veio também parte da legitimação da percepção de lucro pelo empresário, ou, em outras palavras, ao permitir condicionar o recebimento das participações no lucro a eventos-condição do mesmo (lucro), tais como a qualidade, prazo e produtividade, nada mais fez o legislador que equilibrar a relação entre o que almeja o lucro e o que o recebe, mesmo que em parte, no caso do empregado, quando recebe a participação merecida e pré-acordada em face da observância do implemento da condição negociada/contratada com o empregador.
Vê-se que o argumento da exposição a um risco legitima eticamente tanto a percepção do lucro pelo empresário quanto a percepção da participação do empregado.
.
.
CONCLUSÕES
Vê-se de todo o exposto que o ambiente em que se busca a compreensão, os critérios e os valores que orientam o julgamento da ação humana, nesse início de Século XXI está inarredavelmente associado às transformações que viabilizaram a divulgação da informação entre toda a humanidade, de maneira em que se não pode impor censura ou restrição ao acesso das mesmas.
O ser humano passou de uma atitude passiva, de verificação da informação distribuída, para uma atitude passiva-ativa onde ao mesmo tempo em que recebe a informação é capaz de transformar os fatos por si verificados em novas informações e compartilhá-las com qualquer ser humano.
Nesse ambiente as empresas estão preocupadas em receber o rótulo de empresas “socialmente responsáveis” e eticamente adequadas, e para isso adotaram como valores a informar suas decisões a ética e padrões de moral adequados à sua preservação no mercado. Adotam assim formal (ética ferramenta de marketing) ou materialmente a ética (a ética propriamente dita).
Os motivos pelos quais as empresas adotam tais comportamentos, quando objeto de ética material, restam adequados à virtuosidade e/ou ao desejo de buscar um mundo melhor à toda a comunidade, caso em que se verifica o alinhamento à idéia de ética Aristotélica, Kantiana ou à pregada na escola filosófica de John Stuart Mill.
O Lucro, enquanto fim econômico de uma empresa não implica em mal ético algum enquanto mero desejo do empresário. Mas por força de restrições constitucionais, depois de verificado e disponível, deve o empresário observar na definição do certo e do errado tanto limitações legais quanto éticas na sua destinação.
Tais restrições poderiam hoje determinar uma nova distinção: o que seria lucro empresarial e o que seria lucro disponível, já que somente esta última parte chegaria legitimamente às mãos do empresário depois de ser tributada, e distribuída entre seus colaboradores empregados.
Por fim, vê-se claramente que não se pode abstrair a idéia de lucro da responsabilidade social da empresa, e vê-se na sua função social também a necessidade de adequar-se a destinação do resultado da empresa.
----*----
NOTAS

[1] Se encararmos a questão da responsabilidade social em face das escolas filosóficas temos as seguintes opções: (i) de acordo com a ética de virtudes, que se fundamenta no pensamento de Aristóteles, reconheceríamos como ética a ação que é praticada por um agente virtuoso, e, por esse motivo, a compreensão da natureza essencial da ética deve ser radicada na virtude, pelo que ter responsabilidade social aliada a impostos atrasados e empregados recebendo valores subumanos indicariam a má intenção do uso de recursos, já que a virtude é cega em função dos destinatários, única em sua existência e impossível de ser fracionada, tal qual o caráter de quem administra a empresa; (ii) pela ética kantiana teríamos que verificar se a atitude da empresa poderia ser elevada à máxima de lei universal da natureza (Fundamentação da MC 4:421), o denominado imperativo categórico, no que implicaria a análise de tornar a responsabilidade social como regra geral em face da presença de determinadas condições (lucro acima do esperado, por exemplo); ou ainda, (iii) na visão de John Stuart Mill, se tal responsabilidade social visa uma ação moral que eleva ao máximo a felicidade geral, e assim encontra o sentido ético naquilo que muitas vezes justifica o sentido da existência humana: a felicidade.
[2] A responsabilidade social bem amparada nas escolas filosóficas.
[3] A responsabilidade social como ferramenta, questionável, de marketing e aumento de lucros.
[4] Que se vê no Brasil quando observado o fenômeno da concentração de renda/má distribuição de renda.
[5] Aliás, em face do que dispõe o art. 5º, II, da Constituição Federal parece equivocada a noção de dizer que os limites à atividade empresarial seriam morais (ou éticos). Talvez pudéssemos dizer que a moral seria um móvel a legitimar a edição da lei enquanto fonte do direito, mas não muito além disso. A atividade empresarial é um fazer constante limitado à lei, mas o resultado (lucro) pretendido da atividade empresarial não é um fazer ou deixar de fazer, e bem por isso não encontra limites próprios no princípio da legalidade.
[6] CHAUÍ, Marilena, in Convite à Filosofia, Ed. Ática, São Paulo, 2000 Unidade 8 O mundo da prática Capítulo 6 A liberdade: “Além da concepção de tipo aristotélico-sartreano e da concepção de tipo estóico-hegeliano, existe ainda uma terceira concepção que procura unir elementos das duas anteriores. Afirma, como a segunda, que não somos um poder incondicional de escolha de quaisquer possíveis, mas que nossas escolhas são condicionadas pelas circunstâncias naturais, psíquicas, culturais e históricas em que vivemos, isto é, pela totalidade natural e histórica em que estamos situados. Afirma, como a primeira, que a liberdade é um ato de decisão e escolha entre vários possíveis. Todavia, não se trata da liberdade de querer alguma coisa e sim de fazer alguma coisa, distinção feita por Espinosa e Hobbes, no século XVII, e retomada, no século XVIII, por Voltaire, ao dizerem que somos livres para fazer alguma coisa quando temos o poder para fazê-la.
Essa terceira concepção da liberdade introduz a noção de possibilidade objetiva. O possível não é apenas alguma coisa sentida ou percebida subjetivamente por nós, mas é também e sobretudo alguma coisa inscrita no coração da necessidade, indicando que o curso de uma situação pode ser mudado por nós, em certas direções e sob certas condições. A liberdade é a capacidade para perceber tais possibilidades e o poder para realizar aquelas ações que mudam o curso das coisas, dando-lhe outra direção ou outro sentido.”
[7] Assim afirma Ronald Dworking em seu artigo Is Law a System of Rules: “To say that someone has a legal obligation is to say that his case falls under a valid legal rule that requires him to do or to forbear from doing something” (grifo nosso)
[8] Na definição do certo e do errado o próprio Kant dizia que não basta que a ação seja realizada apenas em conformidade externa com a lei moral: é indispensável que a ação tenha como móbil o respeito à lei, e não se sujeite a interesses egoístas ou a motivações empíricas. A ação, segundo Kant não deve ser realizada apenas conforme o dever, mas também por dever.
[9] Note-se que a Constituição Federal não fala em consumidores, mas na proteção geral e generalizada de qualquer um que possa restar exposto à cobrança de um preço abusivo que reflita a busca de um lucro arbitrário, seja ele um consumidor para os fins do CDC ou não.
-----*------
BIBLIOGRAFIA
.
ASHLEY, Patrícia Almeida, Ética e responsabilidade social nos negócios, São Paulo, Editora Saraiva, 2005.
BORGES, Maria de Lourdes, Ética. Rio de Janeiro, DP&A Editora, 2003.
FAUSTO, Bóris. História Concisa do Brasil. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, Imprensa Oficial do Estado, 2001, p. 64.
KANT, Immanuel, Metafísica de las costumbres. Bogotá, Editorial Tecnos. 1989.
PERRY, Richard L.; COOPER, John C. Sources of Our Liberties, Buffalo, New York, William S. Hein & Co, 1991.
TIPKE, Klaus, Moral Tributária Del Estado Y de Los Contribuyentes, Madrid, Marcial Pons, 2002.

1 Comments:

Blogger Cláudia Vau said...

Parabéns pela exposição.
Com os melhores cumprimentos,
Claudia Vau

6:32 PM  

Postar um comentário

<< Home

Google