Direito Tributário Empresarial

É o presente para arquivar, e a quem interessar tornar disponível, algumas divagações no campo do Direito Tributário Empresarial, da Filosofia e outras áreas afins. Lauro Arthur G. S. Ribeiro - Advogado, Professor Substituto (UFPR - 2005/2006) Correções, críticas, sugestões: lauro.r@gmail.com

terça-feira, abril 03, 2012

ICMS - Créditos na escrita fiscal decorrentes de exportação

Tratarei aqui do caso das empresas preponderantemente exportadoras, e por que razão são elas um excelente instrumento para os estados.
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Empresas exportadoras compram insumos tributados: quer-se dizer com isso que são essas empresas instrumentos indutores de crescimento da economia dos entes federados. Algumas dessas aquisições geram créditos de ICMS que ficam registrados na escrita fiscal para uso nas operações internas.
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A industrialização de produtos destinados à exportação necessita da contratação de mão-de-obra: quer-se dizer com isso que ao gerar empregos gera aumento da massa salarial total paga em uma determinada comunidade onde esta empresa está inserida, que por sua vez gera consumo localmente através da ocorrência de aquisições desses funcionários.
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A exportação gera divisas ao país: quer-se dizer que ao vender produtos no exterior uma empresa brasileira ajuda a balança comercial nacional, trazendo moeda estrangeira às reservas nacionais, garantindo ao governo federal as divisas de que precisa para garantir estabilidade econômica no caso de instabilidades da economia mundial. Quanto mais as empresas exportarem maior a segurança para nossa economia.
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As empresas que exportam também emprestam recursos de maneira disfarçada aos governos estaduais: quer-se dizer com isso que ao receber dos fornecedores da empresa exportadora o valor do ICMS destacado nas notas fiscais destes, e ao mesmo tempo criar dificuldades para que os exportadores façam uso ou negociem esses créditos, outro não é o efeito que não criar compulsoriamente um saldo a pagar/restituir aos exportadores. Em outras palavras, uma espécie de empréstimo forçado.
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As empresas exportadoras que não conseguem recuperar os créditos de ICMS exportação e precisam encerrar as atividades do estabelecimento são doadoras de recursos aos estados. Quer-se dizer com isso que a postura dos estados de cancelar os créditos, quando do cancelamento da inscrição estadual do estabelecimento, nada mais é do que a apropriação definitiva dos valores que são da empresa exportadora.
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Cabe aos estados estimular a criação de empresas preponderantemente exportadoras em seus territórios, pois quanto maior o número de empresas que não conseguem descarregar os créditos nas operações locais, maior será o empréstimo fático cedido ao estado, e em caso de crise da economia e encerramento das operações, maior será a doação.

sexta-feira, fevereiro 04, 2011

Rio Branco, Acre – Eu não esperava que fosse como eu a encontrei

Findos os primeiros sessenta dias de minhas novas funções no “Norte” (ele é maiúsculo mesmo) do Brasil recebi minha primeira “missão acreana”. Visitas ao IMAC, escritório de nosso contador local e de alguns consultores.
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O que era para ser uma viagem a trabalho acabou também sendo, também, uma grata surpresa.
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Para enriquecer um pouco a narrativa, e para melhor contextualizar esse texto, adiciono alguns dados (“Google Earth”) que tornam essa conversa mais interessante: distância de São Paulo a Rio Branco, em linha reta, 2.700 km. De Belém a Rio Branco, 1.900km (que é a mesma distância de Brasília a Rio Branco!). De Belém a Brasília (sempre em linha reta), 1.600km.
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Rio Branco é, portanto, e como sabido, um ponto distante dos principais centros de nosso Brasil.
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Associa-se Rio Branco à floresta amazônica, o que é natural em face de um conhecimento básico de geografia. Tal associação ganha força na chegada do visitante, no próprio aeroporto local, onde o apelo ao turismo amazônico está em diversos anúncios e no comércio ali existente.
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À distância extrema de outras capitais eu confesso que associava a expectativa de encontrar uma cidade com desenvolvimento inicial e problemas “batidos” pela mídia como inerentes às cidades do norte do país.
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Pois bem, para os que não conhecem a cidade eu informo, não é o que encontrarão.
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Rio Branco é uma cidade bonita, limpa, com bons acessos, bom trânsito, prédios bem construídos, parques, museus e áreas públicas muito bem conservadas. Considerando sua localização e os fatores complicadores inerentes ao fato de estar efetivamente em meio à floresta, Rio Branco, em proporção as suas dificuldades, deve ser uma das mais bem cuidadas capitais brasileiras.
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Espere encontrar praças, visite os prédios históricos e, principalmente, curta o povo acreano.
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Por Lauro Ribeiro, um curitibano também apaixonado por sua capital!

sábado, agosto 07, 2010

O conceito de conhecimento e de ciência – de Platão a Lakatos

Platão (427-347 a.C.) definia conhecimento como uma crença verdadeira e justificável. Nesse contexto dizia Platão que o conhecimento tem que ser daquilo que é plenamente, o que significa que não podemos ter, de fato, conhecimento do mundo dos sentidos. O conhecimento deve concernir às idéias, aos objetos que não mudam e perecem: que são plenamente o que são. Platão dividiu então a realidade em dois reinos, o mundo físico do vir-a-ser e o mundo do ser constituído por idéias eternas e perfeitas (Law, 2009 p. 247).
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Aristóteles (384-322 a.C.), discípulo de Platão, apoiava-se na lógica silogística para a argumentação perfeita (Omnés, 1996 p. 34) ao mesmo tempo em que questionava seu mestre sobre a impossibilidade de ser alcançado o conhecimento através dos sentidos. Aristóteles privilegiava, então, um caráter mais empírico (as investigações gradativas do cientista). Pode-se dizer, para diferenciar o entendimento do mestre e do discípulo, que para Platão a matemática era o paradigma do conhecimento ao passo que Aristóteles atentava para a variedade dos fenômenos do mundo (Law, 2009 p. 249).
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São Tomás de Aquino (1225-1274), fortemente influenciado por Aristóteles, tentou conciliar o ensinamento cristão com o que entendia serem os dois caminhos para a aquisição de conhecimento: o raciocínio com base nas evidências colhidas no mundo à nossa volta (as investigações gradativas do cientista) e a revelação. Traçou então a divisão entre a teologia “natural” (idéia aristotélica da aquisição do conhecimento através dos sentidos) e “revelada”. Para São Tomás de Aquino “cada coisa tem uma essência ou característica definidora que faz dela o que é. Mas a questão de o que alguma coisa é, a questão da sua essência, é diferente da de se ela é” e para tanto cita o exemplo de um unicórnio, que todos sabem ser um cavalo de chifres, mas que ninguém prova sua existência (Law, 2009 p. 266).
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Francis Bacon (1561-1626), refutando Aristóteles e seus seguidores, pregava que o verdadeiro conhecimento só poderia ser adquirido por aquele que se livrasse de preconceitos e predisposições, devendo encontrar elementos comuns nas análises dos fenômenos (experiências), descartando relações acidentais para viabilizar a formação de princípios inclusivos e assim chegar às formas ou leis do mundo físico (Losee, 1977 p. 64). A atenção deveria ser dada aos fatos (e não a teorias advindas exclusivamente das mentes dos escolásticos – seguidores de Aristóteles); os dados deveriam ser colhidos mediante experimentação para só depois se buscar as regularidades e para serem formuladas hipóteses, que seriam submetidas a testes e experimentos, que então indicariam as leis da natureza - esse o sistema indutivo (Law, 2009 p. 274).

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Descartes (1596-1650), refutando Bacon, entende que a razão deveria substituir a experiência como fundamento para o conhecimento, sendo que o pensamento precede a existência e por esta razão é a reflexão que oferece o método pelo qual a compreensão pode ser alcançada (Descartes p. Parte IV). Descartes entendia que os sentidos não eram confiáveis na medida em que podiam ser “enganados” e que somente princípios básicos indubitáveis seriam a base para um efetivo conhecimento. A primeira certeza que teve, considerado esse seu modo de obtenção do conhecimento, era de que, quer estivesse sendo enganado ou não pelos sentidos, o ser humano ao pensar demonstrava sua existência e daí a expressão “penso, logo existo”. Descartes entendia que as mentes não são determinadas, em face da capacidade de reação às circunstâncias de maneiras imprevisíveis, daí porque propôs que, “embora o mundo material deva ser reduzido à ciência matemática, a alma humana requer uma ciênca própria”.

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David Hume (1711-1776), atacando os fundamentos da epistemologia moderna encontra inconsistência no conhecimento por indução em face da fragilidade do fenômeno causal (achar a verdade em face de proposições gerais) eis que estas apesar de explicar alguns eventos não abrangeriam a totalidade dos fenômenos possíveis (Losee, 1977 p. 44). Por maior que fosse o número de casos de uma generalização que observemos, ele (o método indutivo) é “incapaz de confirmar uma hipótese sendo tão racional rejeitá-la quanto aceitá-la” (Law, 2009 p. 332).

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Kant (1724-1804), influenciado por Hume, busca resolver o problema epistemológico separando o que era a coisa e o fenômeno. Para Kant somente o fenômeno seria passível de compreensão, mas não a coisa, já que analisamos o mundo a partir de “categorias” a priori de nosso “espírito”. O conhecimento não emanaria do objeto, mas sim da construção que faz o observador a partir do seu conhecimento (Losee, 1977 p. 108). Para Hume o conhecimento efetivo do mundo depende da experiência sensorial, e isso limitaria o conhecimento humano. Kant, buscando superar essa limitação, constrói a teoria segundo a qual podemos descobrir verdades significativas sobre a realidade “a priori” examinando as condições de possibilidade de nossa experiência. “Em vez de fazer a pergunta tradicional – nosso conhecimento reflete precisamente a realidade? – Kant pergunta como a realidade reflete nossa cognição.”. A partir, então, da ordenação pela mente das experiências, é possível, através da razão, “descrever a estrutura que a experiência deve assumir e assim descobrir verdades universais sobre nosso mundo” (Law, 2009 p. 296).

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John Stuart Mill (1806-1873) em uma postura menos abstrata do que a de Kant, consagra o processo indutivo e afirma que este tanto é a “ferramenta” certa para as operações de descoberta quanto para a prova das proposições. Tal pensamento de Mill era baseado no pressuposto de regularidade da natureza. Em sua obra, Sistema de Lógica Mill chega a propor que as leis da indução são a base da descoberta das leis causais esperando, inclusive, poder aplicar os princípios científicos aos fenômenos sociais e assim encontrar as causas dos eventos (Law, 2009 p. 309). Tais pensamentos sofreram com a descoberta da teoria da relatividade e da mecânica quântica. Tais descobertas fragilizaram a melhor teoria indutiva (a newtoniana) que era baseada no indutivismo, pois tanto a relatividade quanto a mecânica quântica provaram que a teoria indutiva era, em verdade, incompleta (Couvalis, 1999 p. 4).

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Buscando salvar o método indutivo e o empirismo, filósofos como Carnap, Schlick e Ayer, membros da escola chamada Círculo de Viena, baseados na matriz lógica de Bertrand Russel e Gottlob Frege defendiam que uma proposição somente possuiria significado epistemológico se pudesse ser verificada sua ocorrência. Por esse movimento, conhecido como positivismo lógico, o conhecimento estaria restrito ao que pudesse ser empiricamente comprovado e daí a rigorosa eliminação da metafísica (Losee, 1977 p. 164 e ss).

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Edmund Husserl (1859-1938) foi o fundador do chamado movimento fenomenológico. A fenomenologia propõe-se a descrever o modo como o mundo aparece para a consciência, sem nenhum pressuposto sobre o mundo além dela. Para Husserl:


A consciência é sempre consciência de alguma coisa, e essa “intencionalidade” tornou-se o eixo de sua nova metodologia filosófica, a “fenomenologia”, que envolve uma descrição pura dos conteúdos da experiência consciente. Devemos suspender a crença no mundo natural e todas as suposições que ela produz para a experiência. Assim podemos examinar o conteúdo essencial da experiência e sua estrutura intencional e, logo, descrever a intuição pela mente das essências dos objetos de experiência. (Law, 2009 p. 319)

A obra de Husserl influenciou sobremaneira Martin Heidegger (1889-1976). Para este filósofo a tradição filosófica ocidental desde os gregos esqueceu a questão do ser e interessou-se apenas pelo presente (ignorando as dimensões temporais “passado” e “futuro”). Heidegger tinha por objetivo reabrir a questão do que é ser, “explorando como enfrentamos nossa própria existência e a maneira como o mundo aparece para nós.” (Law, 2009 p. 329)

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Karl Popper (1902-1994), abandonando o método indutivo como fundamento para a ciência, propôs que as teorias são o resultado de uma tendência humana em impor ordem ao mundo e, portanto, são sempre criações da mente. Assim estariam separados dois momentos, o de criar uma teoria e o de validá-la, sendo relevante para a filosofia da ciência somente o segundo (Popper, 1998 p. 429). Popper afastou a premissa que a veracidade dos fundamentos definia a racionalidade do conhecimento exatamente porque o cientista não descobre coisas, mas sim as formula. Pelo pensamento de Popper uma teoria, “para ser genuinamente científica, deve ser passível de refutação, pois uma teoria que não pode ser refutada não faz uma afirmação” (científica) “sobre o mundo.” (Law, 2009 p. 332).

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Thomas S. Kuhn (1922-1996) refutou de uma forma geral as teorias de seus antecessores pois estas não conseguiriam dar solução à demonstração de desenvolvimento científico. Para Kuhn a simples identificação da hipótese científica não levaria ao desenvolvimento científico e, daí, seria a ciência condenada à estagnação (Curd, et al., 1999 p. 68). Kuhn entendia que a partir do momento em que uma ciência atingia a estagnação, que se caracterizava pelo acúmulo de questões não respondidas em função do uso de um determinado método, desencadeava-se uma crise em que novos paradigmas competiam para assumir “o comando” a partir dos antigos. (Law, 2009 p. 341)

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Jaques Derrida (1930-2004) entende que os textos filosóficos tem sua força dependente do uso de estratagemas figurativos e retóricos quanto de argumentação rigorosa. Assim sendo a metafísica ocidental “é movida por um desejo de levar plena e imediatamente à mente conceitos como essência, fim, verdade etc. Na frustração inevitável do desejo de ancorar o significado nesses termos residem as sementes da própria “desconstrução” do texto”. (Law, 2009 p. 344)

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Lakatos (1922-1974), refutando Kuhn e buscando avançar nas idéias de Popper (com o qual conviveu na London School of Economics), entende que a epistemologia não deveria partir de teorias isoladas (formulações isoladas - Popper), mas sim de um conjunto de teorias. Segundo Lakatos o cientista deve fazer uma escolha racional a favor de grupos de torias que impliquem em evolução do conhecimento, descartando os que impliquem em degeneração (Blaug, 1990 p. 38).

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A evolução dos conceitos de “conhecimento” e “ciência”, descrita acima, referenciada inicialente ao pensamento de Platão e seguindo encadeada até a construção filosófica dos autores do final do século XX, bem indica a dinamicidade da ciência enquanto tal. Muito provavelmente, se buscssemos uma definição científica de qualquer conceito no tempo (de Platão até o fim do século XX), e de acordo com a evolução dos pensamentos, teríamos, também diferentes conceitos, críticas e melhoramentos no conceito científico pretendido.

quinta-feira, novembro 12, 2009

A norma como fenômeno cultural e a convergência de normas contábeis internacionais.

As normas contábeis nos Estados Unidos do século XIX e XX restaram definidas majoritariamente pelos respectivos contadores, conforme indica o texto abaixo de Hendriksen (1999):
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Também se trata de uma história curiosa, porém, na qual os lideres da profissão, politicamente avessos à regulamentação governamental e crentes nas virtudes da livre iniciativa, viram-se empurrados a uma auto-regulamentação generalizada e abrangente para evitar o que julgavam ser o mal maior da regulamentação externa. O processo continua até hoje. A relação institucional resultante, no qual o AICPA e o Fasb efetivamente fazem o serviço do governo e, com isso, atraem críticas que de outro modo seriam feitas à SEC, é tão conhecida que já não causa impacto algum.
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Na Europa atual o IASB, como entidade privada, vem definindo de forma similar, via auto-regulamentação, as normas contábeis. Reconhece-se, entretanto, que o ambiente europeu é diferente do norte americano na medida em que há uma maior influência do direito público na definição das normas. Estudo da Fédération des Experts Comptables Européens publicado em 2006 sobre o tema “Financial Reporting: Convergence, Equivalence and Mutual Recognition” indica que:
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The US GAAP environment is fundamentally different from the general European environment. This is due to social and cultural factors, the US tradition of private sector accounting standard setting in contrast to reliance on public law and regulation to specify accounting requirements for all companies in Europe (rather than just listed companies) (…). Therefore US GAAP and IFRS are also different and the question is how close they can come together without turning IFRS into rule-based standards .
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O processo de convergência das normas contábeis internacionais remanesce orientado por essa influência bi-polar eis que ao mesmo tempo em que se reconhece a influência de normas de direito público na redação das normas do IASB, que são feitas por contadores de diversos países, tem-se a busca da convergência destas normas com as do padrão norte americano.
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Daí porque se pode afirmar que a normatização contábil internacional é um fenômeno decorrente da atividade humana e é determinada pelos valores de contadores que definem o ordenamento a ser seguido pela coletividade a que pertencem. Porém, quem são as pessoas que atuam nesse processo normativo e quais seus valores pessoais e sociais? Que princípios pretendem erigidos como base axiológica desse ordenamento? Qual a influência cultural que receberam para a edição das normas contábeis? As influências ideológicas recebidas e a forma como se fez a influência são legítimas em todos os extratos culturais onde a norma terá vigência? Essas indagações remetem o pesquisador diretamente ao fenômeno normativo contábil, em especial à questão da legitimação da imposição de normas internacionais uniformes, considerando a questão cultural e ideológica que define cortes epistemológicos e de identidade aos diversos povos que, hoje, buscam a convergência em relação a essas normas.
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O processo de convergência de normas, então, encerra em si, materialmente, não somente uma redação formal comum de textos normativos, mas, sim, a busca de uma convergência sob o aspecto funcional, que respeite as diferenças culturais, da qual decorra a aplicação uniforme e eficiente dessas regras escritas.

sábado, julho 11, 2009

Convergência de normas contábeis internacionais - Uma convergência de interpretação?

O processo de convergência das normas contábeis de diversos países, ora em andamento, não tem por objetivo o simples alinhamento de redação de preceitos. O que se busca dessa convergência, no plano da sua eficiência, é que todos os contadores, independentemente do país em que se encontrem, consigam aplicar as normas de uma forma uniforme e concisa. Da eficiência desse processo é que se viabilizará a interpretação das demonstrações de uma entidade por qualquer usuário (analistas, investidores e demais participantes do mercado) que domine a técnica comum decorrente dessa convergência. (Doupnik, 2006, p. 238)
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Nesse contexto é certo que a aplicação uniforme de normas contábeis internacionais depende, além do alinhamento de redação em diversos idiomas, da uniformização de sua interpretação. É fato que o conteúdo pretendido pelo IASB quando da redação originária de normas contábeis nem sempre vai ser interpretado com idêntica similaridade pelas pessoas que buscarão a compreensão dessas para fins de sua aplicação. Disso poderão decorrer ineficiências, retratadas em divergências interpretativas entre os contadores de diferentes países, quando da análise do conteúdo normativo para o fim de formação das demonstrações financeiras.
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A ciência tem por objeto a análise dos fenômenos que cercam o que é humano e daquilo que com o humano se relaciona. Assim sendo, tão certo quanto existirem potenciais ineficiências na aplicação das normas contábeis decorrentes da convergência é o fato de se poder buscar no método científico a análise desse fenômeno e as soluções para minimizá-las (ineficiências.
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Daí porque se entende relevante que se analisem as estruturas gerais de normas em uma dada sociedade e os decorrentes aspectos funcionais entre as espécies de preceitos. Identificados os aspectos estruturais e funcionais supracitados far-se-ia a análise fenomenológica direta dessa estrutura geral em face do caso específico proposto, que é definido por um corte epistemológico que indica como objeto de estudo as normas contábeis internacionais e o aspecto finalístico de sua existência, que é a convergência de interpretação e aplicação.

domingo, março 15, 2009

Algumas reflexões sobre os aspectos funcionais da estrutura do sistema normativo contábil

O momento atual de pretendida convergência de normas contábeis, e sua aplicação uniforme, padecem da construção de artefatos científicos facilitadores para o alcance dos objetivos pretendidos, dentre eles o estudo da relação entre as espécies de normas contábeis editadas pelo IASB.
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São dois os momentos a serem considerados para que se chegue a uma aplicação uniforme. O primeiro, que é a imposição de normas contábeis comuns pelo IASB, e suas posteriores traduções, onde se buscam equivalentes semânticos em diferentes idiomas para determinados fatos econômicos e contábeis, já vem se desenvolvendo com relativo sucesso. Porém a norma redigida enquanto tinta lançada ao papel será objeto de análise por alguém, que não seu “criador”, para sua interpretação e aplicação. Esse é o segundo momento.
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A apontada dualidade redação/interpretação também vem sendo claramente apontada como relevante pelos entes reguladores que acompanham o processo de convergência. A Securities and Exchange Commission no Release 33-8831, p. 26 assim se manifesta:
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In February 2000, the Commission issued a Concept Release on International Accounting Standards, seeking public comment on the elements necessary to encourage convergence towards a high quality global financial reporting framework while upholding the quality of financial reporting domestically. In that release, the Commission described high quality standards as consisting of a “comprehensive set of neutral principles that require consistent, comparable, relevant and reliable information that is useful for investors, lenders, and creditors, and others who make capital allocation decisions.” The Commission also expressed the view that high quality standards are rigorously interpreted and applied.
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Justifica-se, então, a busca de soluções para esse segundo momento, de interpretação. É importante, no presente momento, que a ciência contábil viabilize artefatos e conceitos com embasamento científico, orientados à busca do reconhecimento dos aspectos funcionais das normas internacionais, naquilo que seja comum a todos os contadores que a interpretarão, independentemente do país em que se encontrem, bem como na busca de critérios que orientem os contadores a buscar a definição de uma interpretação (e aplicação) comum naquilo que não haja consenso em face de diferenças culturais, de valores pessoais ou sociais, e mesmo decorrentes da limitação de auto-regulamentação em face da imposição de legislação local cogente.
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Afora a questão da convergência na redação, interpretação e aplicação das normas internacionais, tem-se ainda a questão doutrinária local que se poderá beneficiar dos resultados de um eventual consenso sobre estes artefatos. É que a doutrina e a redação das normas utilizadas no Brasil também padecem do reconhecimento desses aspectos funcionais das normas contábeis.
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No que diz respeito à doutrina que trata da teoria da contabilidade, utilizada nas faculdades brasileiras, é possível citar a divergência envolvendo Sérgio Iudícibus (2006) e Hendriksen (1999). Enquanto Hendriksen afirma que (1999, p. 83) “a busca de princípios (...) tem sido demorada, frustrante e até mesmo inútil, na opinião de algumas pessoas” e que “não existe consenso quanto ao que constitui um princípio, como os princípios de relacionam a postulados, ou se princípios ou postulados podem ser usados para gerar padrões contábeis”, vê-se que Iudícibus (2006, p. 60 a 73) enumera taxativamente três princípios contábeis, a saber: do custo como base de valor, da realização da receita e da confrontação com as despesas e do denominador comum monetário.
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Ambos, então, falam sobre princípios, postulados, normas e regras contábeis, porém sem uniformidade quanto ao que dá identidade a cada uma dessas expressões e mesmo seus aspectos funcionais. Dessa falta de consistência doutrinária sobre a definição dos aspectos funcionais, de cada espécie de norma, é razoável crer que decorra uma fragilidade em determinado grau no trato dos aspectos operacionais e práticos das mesmas pelos alunos, que enquanto profissionais, egressos das faculdades, não compartilham um mesmo entendimento sobre os aspectos funcionais das normas.
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Tem-se ainda exemplo no campo da normatização, pelo CFC. Exemplo do que aqui se afirma é a Resolução CFC n. 530/81, que aprovou a NBC-T1. Dita Norma Brasileira de Contabilidade continha em si os Princípios Fundamentais de Contabilidade. Nesse regulamento os princípios contábeis eram espécies de normas.
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Já a Resolução 750/93, do mesmo CFC, que revogou a Resolução 530/81, diz que “A observância dos Princípios Fundamentais de Contabilidade é obrigatória no exercício da profissão e constitui condição de legitimidade das Normas Brasileiras de Contabilidade”. Nesse novo regulamento a validade e legitimidade das Normas Brasileiras de Contabilidade eram condicionadas à observância dos Princípios Fundamentais de Contabilidade.
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Não há consenso no CFC, sob o aspecto funcional, se “normas” é um gênero ao qual a espécie “princípio” pertence, ou se ela (norma) se submete, em condição de validade, aos princípios. Basta imaginar agora a aplicação da doutrina de Hendriksen (1999), que afirma ser questionável a existência de princípios, e poder-se-ia questionar então a que estaria condicionada a validade das normas contábeis brasileiras.
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Ainda, e não menos importante, sabe-se que as pesquisas acadêmicas atuais na área da contabilidade, em especial as quantitativas, fazem uso de amostras de dados gerados e decorrentes não somente da simples existência de normas, mas, sim, da sua interpretação e decorrente aplicação pelos contadores. O sucesso do processo de convergência no plano da aplicação das normas contábeis, com a geração de dados comparáveis e de mesma identidade, é que determinará a viabilidade da afirmação de serem dados de uma amostra colhida em diferentes países pertencentes a uma mesma categoria científica. Basta imaginar o que seria uma pesquisa quantitativa, que utilize em comparação dados de ativos de duas empresas observadas, onde um controller, de um determinado país, tenha um entendimento de fair value completamente diferente de outro, de região distinta, submetido a um diverso ambiente cultural. Estar-se-iam comparando dados de igual conteúdo e identidade? Por óbvio que não.
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É nesse contexto que se pode afirmar que é da uniformidade da aplicação e interpretação dessas normas que se determinará, também, uniformidade dos dados e a possibilidade de compará-los. Da legitimidade substantiva da fonte (dados constituídos) é que decorrerá a validade científica das conclusões deles hauridas em pesquisas e análises gerenciais.

domingo, dezembro 21, 2008

Cultura e julgamento em face das normas contábeis internacionais

Pode-se dizer que estudos anteriores à existência do IASB já apontavam potenciais dificuldades em uma tentativa de fazer convergir normas internacionais de qualquer intenção. Geert Hofstede em estudo publicado em 1982, com dados coletados em mais de 40 países chama a atenção para a questão dos elementos culturais como definidores de diferenças substanciais no agir e julgar das pessoas.
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I hold that the stability of national cultures over long periods of history is achieved through a system of constant reinforcement, because societal norms lead to particular political, organizational, and intellectual structures and processes, and these in turn lead to self-fulfilling prophecies in people´s perceptions of reality, which reinforce social norms. It is difficult to recognize this process in one´s own culture. A deep and often painfully acquired empathy with other cultures is required before one becomes sensitive to the range of societal norms which our genus homo sapiens has been able to invent and to the relativity of our society´s norms. We find this eloquently expressed in the quote from Pascal at the beginning of this book: “There are truths on this side of the Pyrenees which are falsehoods on the other .” (Hofstede, p. 253. 1982)
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Já com o vislumbre da tentativa de convergência das normas contábeis internacionais passou-se a ver autores chamando a atenção para a questão das possíveis divergências na aplicação e interpretação das mesmas. O ponto a que esses autores se referem diz respeito às diversas influências a que estão sujeitos os contadores quando da análise do conteúdo dos preceitos.
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Estudo publicado por J.J. Schultz (2001, p. 284) no The International Journal of Accounting assim dispõe sobre o assunto:
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Considerable research has demonstrated that national accounting system result in significant reporting differences (...). The IASC has recently completed a set of uniform standards that are intended to overcome these differences for companies domiciled in various countries. Some observers (…) however, contend that de jure consistency will not necessarily result in de facto consistency in the application of these standards across countries (…). Our results suggest that uniform international accounting standards may not result in de facto uniformity among nations, particularly when the standards allow for significant discretion (ambiguity).
Our results also support the notion advanced by Sharp and Salter (1997) that national cultural characteristics may interact with behavioral propositions (…) .
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Em linha com a proposição acima, e já sob influência do IASB, novo estudo foi publicado também no periódico The International Journal of Accounting por Timothy S. Doupnik (2006, p.238 a 254), que assim retrata a questão:
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A growing number of countries have adopted International Financial Reporting Standards (IFRSs) developed by the International Accounting Standards Board (IASB), and other countries plan to adopt or converge with IFRSs in the future. One goal of international accounting convergence is the comparability of financial statements across countries. Adoption of a common set of accounting standards is a necessary, but not sufficient, condition to achieve this goal. Accountants in different countries also must interpret and apply the common standards similarly.
(…)
The practical implications of these results are important in that they suggest that national cultural values can affect accountants´ interpretation of probability expressions used in IFRSs, and as a result, differences in cultural values across countries could lead to differences in recognition and disclosure decisions based on those interpretations .
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Não menos receosa das particularidades culturais que permeiam a interpretação e aplicação das normas contábeis internacionais a SEC - Securities and Exchange Comission fez publicar o Release 33-8831, em agosto de 2007, de onde se destaca a seguinte redação:
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In 2003, the Commission staff issued a study on the adoption of a principles-based accounting system, as mandated by Congress in the Sarbanes-Oxley Act. The conclusion of that study was that an optimal approach to accounting standard setting would be based on a consistently applied conceptual framework and clearly stated objectives rather than solely on either rules or principles, one benefit of which would be the facilitation of greater convergence between U.S. GAAP and international accounting standards. By taking an objectives-based approach to convergence, the study noted, standard setters would be able to arrive at an agreement on a principle more quickly than would be possible for a detailed rule. The Commission staff´s report to Congress interpreted convergence as a “process of continuing discovery and opportunity to learn by both U.S. and international standard setters,” the benefits of which include greater comparability and improved capital formation globally .
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Observando-se o conteúdo bibliográfico citado é possível indicar que o tema ora proposto merece total consideração da comunidade científica que estuda a convergência como fenômeno, se efetivamente almejada uma convergência material na aplicação das normas contábeis.

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