Direito Tributário Empresarial

É o presente para arquivar, e a quem interessar tornar disponível, algumas divagações no campo do Direito Tributário Empresarial, da Filosofia e outras áreas afins. Lauro Arthur G. S. Ribeiro - Advogado, Professor Substituto (UFPR - 2005/2006) Correções, críticas, sugestões: lauro.r@gmail.com

sexta-feira, setembro 10, 2004

Da extinção da punibilidade penal-tributária quando do pagamento do tributo depois do recebimento da denúncia.

Não é segredo a qualquer operador do direito que a Secretaria da Receita Federal atua de braços dados com a Polícia Federal na repressão aos casos de sonegação fiscal.
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Ocorre que não é todo uso de aparato policial que encontra amparo moral e constitucional na cobrança de débitos. Note-se daí a expressa dicção constitucional que proíbe a prisão por dívidas.
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Não se quer aqui dizer que o tipo penal da sonegação fiscal seja inconstitucional. Longe desse raciocínio. O que se pretende contraposto é o uso efetivo do aparato policial para a cobrança de inadimplentes não criminosos e o citado dispositivo da Carta Magna que proíbe a prisão por dívidas.
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Que se não diga que o raciocínio aqui desenvolvido é teratológico frente à jurisprudência. O Ministro Sepúlveda Pertence, em recente manifestação sobre os termos da Lei 10.684/03 afirmou que "a nova lei tornou escancaradamente clara que a repressão penal nos crimes 'contra a ordem tributária' é apenas uma forma reforçada de execução penal".
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E a comprovação definitiva de que se está usando o aparato criminal para cobrar são os expressos termos do art. 9º § 2º da Lei 10.684/93, que determina:
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"Extingue-se a punibilidade dos crimes referidos neste artigo quando a pessoa jurídica relacionada com o agente efetuar o pagamento integral dos débitos oriundos de tributos e contribuições sociais, inclusive acessórios."
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Tal dicção que em uma ótica apressada-equivocada com os termos do REFIS poderia levar a crer que se aplica somente aos casos do parcelamento não o é em verdade, dado o que dispõe o art. 5º, XL, da Constituição Federal, que determina a aplicação da lei mais benéfica.
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Daí porque o Supremo Tribunal Federal apreciando o dispositivo vem entendo da seguinte maneira:
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HC - 81929/RJ - EMENTA: AÇÃO PENAL. Crime tributário. Tributo. Pagamento após o recebimento da denúncia. Extinção da punibilidade. Decretação. HC concedido de ofício para tal efeito. Aplicação retroativa do art. 9º da Lei Federal 10.684/03, cc. art. 5º, XL, da CF, e art. 61 do CPP. O pagamento de tributo, a qualquer tempo, ainda que após o recebimento da denúncia, extingue a punibilidade do crime tributário.
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Assim sendo conclui-se que, diferentemente do que vem decidindo os Tribunais Regionais Federais ao presente tempo, se extingue a punibilidade dos crimes definidos nos arts. 1º e 2º da Lei 8.137/90 e 168-A e 337-A do Código Penal pelo pagamento dos tributos devidos, mesmo que tais valores não sejam objeto de parcelamento e/ou tenham sido quitados após o recebimento da denúncia.

segunda-feira, setembro 06, 2004

A inconstitucional anti-seletividade como "regra sem princípio" no ordenamento jurídico brasileiro.

Dizem que a “sabedoria popular”, na minha opinião uma espécie de reflexo do inconsciente coletivo, é insuperável quando na sua simplicidade mostra aquilo que de fato é (Parmênides).
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Havia acabado de discutir com Regiane Binhara Esturílio a seletividade na maneira posta na Constituição Federal (ela acabara de redigir dissertação sobre a matéria) quando escutei os versos de uma popularíssima música de Zeca Pagodinho que questiona: "Você sabe o que é caviar? Nunca vi nem comi eu só ouço falar..."
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Dada a colocação sobre o caviar, e ante minha curiosidade, achei subsídios na dissertação de minha colega que acho pertinentes para discussão pública sobre a matéria.
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Verifica-se da TIPI que a alíquota das conservas de peixes, caviar e sucedâneos é de 5% (posição 16.04) ao passo que a alíquota para a água é de 15% (posição 22.01). A inversão axiológica naquilo que diz respeito à seletividade, comparados estes dois itens, é flagrante!
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Antes parasse a inversão por aí. Casos outros de flagrante anti-seletividade são a comparação do caviar com malte de grãos e cereais (posição 11.07 e mesma alíquota de 5%), cacau e suas preparações (posição 18.06 e mesma alíquota de 5%) e preparações para bebidas – refrigerante e cerveja (posição 22.20 e alíquota de 27% e 40%).
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Tomando por amostra as comparações acima (que fiz em primeira análise por força do ponto de partida da supracitada sabedoria popular e da manifestação artística mencionada) o exegeta já teria seriíssimas dificuldades em ver cumprido o princípio ou regra da seletividade (conforme o entendimento) prevista constitucionalmente.
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Ocorre que para além desse caso, temos outros, ainda mais graves, na legislação, que põem por terra a mínima intenção de entender presente o cumprimento da seletividade por parte do governo federal. É o caso específico da comparação da água (alíquota de 15%), já citada, com a lagosta (posição 0306 com alíquota de 0%), cogumelos e trufas (posição 0712.30.00 com alíquota de 0%), foies gras (posição 0207.34.00 com alíquota de 0%), bem como a alíquota zero para diamantes (posição 71.02), alíquota de 10% para alimentos de cães e gatos (posição 2309.10.00) e cartuchos para pistolas (posição 71.13).
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Portanto, sob a ótica do governo federal, seria essencial que o povo comesse lagostas, foies gras, cogumelos, trufas, desse colares de diamantes, alimentasse seu cão com alimento industrial e utilizasse uma pistola, do que tomasse água! Ou seja, um verdadeiro e escancarado absurdo.
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Traduzamos, então, todos esse fatos em termos jurídicos.
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Tem-se que a doutrina discute, e muito, sobre determinadas disposições constitucionais, tentando “encaixar” raciocínios que permitam concluir por ser uma determinada dicção constante da Constituição Federal uma regra ou um princípio. Tal é o caso da seletividade.
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A colega que me emprestou a dissertação para pesquisa, que citei ao começo do presente divagar, conclui ao final da mesma ser a seletividade uma regra (com o que concordo), do que se conclui, também imediatamente, que todas as inversões vistas na legislação federal e que citei acima são flagrantes ilegalidades que ensejam imediato reparo sob pena de ficarmos suportando seqüentes aumentos da COFINS (sobre a qual não incide a regra da seletividade, mas é um ícone dos aumentos de carga tributária em 2004) em detrimento do aumento de um sem número de alíquotas de produtos não essenciais que estão à alíquota zero (ou próxima de 0%) em nossa legislação tributária.
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São fatos como esses que bem demonstram a completa perda de foco tributário do governo, que opta por criar a sua própria “idéia pública de essencialidade”, qual seja, quanto mais essencial o produto, mais essencial é que se cobre tributo sobre ele.
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Daí porque com razão, sobre a essencialidade, Zeca Pagodinho, que nunca viu, só ouviu falar sobre o caviar.

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