Direito Tributário Empresarial

É o presente para arquivar, e a quem interessar tornar disponível, algumas divagações no campo do Direito Tributário Empresarial, da Filosofia e outras áreas afins. Lauro Arthur G. S. Ribeiro - Advogado, Professor Substituto (UFPR - 2005/2006) Correções, críticas, sugestões: lauro.r@gmail.com

domingo, agosto 26, 2007

Os impostos incidentes sobre as doações ao "Criança Esperança"

Quando da inoperância estatal em diversos aspectos de suas obrigações constitucionais a sociedade civil reage e busca resolver a não presença do Estado através de atitudes proativas seus próprios membros.
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Diversas são as formas desta participação na solução dos problemas sociais e dentre elas temos a campanha denominada "Criança Esperança" divulgada e promovida pela Rede Globo.
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Dita campanha busca arrecadar valores que restarão aplicados em projetos sociais novos e na manutenção dos existentes.
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O Estado que já arrecada valores que deveriam ser suficientes a não ser necessária essa mobilização social infelizmente não participa das doações e, pior, ainda arrecada os valores dos impostos quando estas (doações) são feitas.
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Veja-se o teor do anúncio para doação para concluir pelo absurdo desmedido de ser cobrado o imposto sobre a ligação telefônica (ICMS-comunicação) quando não há sequer comunicação entre duas pessoas quando da doação.
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O atendimento é feito por uma máquina que registra a doação e lança na conta telefônica um valor (a doação). Agora questiono: entre quem é a comunicação? Incide ICMS sobre o uso do meio de comunicação ou incide ICMS sobre a comunicação?
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Sem nenhum medo de errar tenho que se não confunde o uso do meio de comunicação para uma doação e o uso do meio de comunicação para comunicação. E o que se tributa é a comunicação e não o uso do meio.
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Mas vamos dar um passo atrás: deveria o governo tributar uma obra de filantropia que busca suprir uma lacuna da própria atuação estatal? Seria ético impor um imposto sobre uma atuação popular que visa suprir a desídia do próprio Estado? Parece-me óbvia a resposta: trata-se de tributação da pior espécie. Ao cobrar impostos sobre as doações o governo gera uma externalidade gravosa ao ato de doar e assim desestimula a própria doação. Uma atitude de duvidosa inteligência em face das sabidas lacunas de atuação social de todos os Estados.
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Perpassada essa questão de ética nas relações tributárias, enfrentemos então a ilegalidade da exação.
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Em sendo sabido que se não confunde o ato de comunicação com os demais atos necessários ao acesso, à ativação e manutenção do meio de comunicação outra não podia ser a posição de nossos tribunais.
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O Superior Tribunal de Justiça, em esforço de entendimento das atividades de comunicação, de louvável inteligência, entende pela tributação da comunicação em si e não pela cobrança dos valores referentes ao acesso e manutenção dos meios de comunicação, caso da doação ao "Criança esperança".
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A Ministra Denise Arruda, em voto acompanhado pelos demais Ministros da 1a. Turma assim decidiu:

Processo
REsp 601056 / BA ; RECURSO ESPECIAL2003/0183841-2
Relator(a)
Ministra DENISE ARRUDA (1126)
Órgão Julgador
T1 - PRIMEIRA TURMA
Data do Julgamento
09/03/2006
Data da Publicação/Fonte
DJ 03.04.2006 p. 230
Ementa
RECURSO ESPECIAL. TRIBUTÁRIO. ICMS. CONVÊNIO 69/98. SERVIÇO DE INSTALAÇÃO DE LINHA TELEFÔNICA FIXA. SERVIÇO INTERMEDIÁRIO AO SERVIÇO DE TELECOMUNICAÇÃO. LEI KANDIR. LEI DAS TELECOMUNICAÇÕES.
NÃO-INCIDÊNCIA DE ICMS. INEXISTÊNCIA DE LEI. IMPOSSIBILIDADE DE PREVISÃO PELO CONVÊNIO. RECURSO ESPECIAL INTERPOSTO APENAS PELA FAZENDA ESTADUAL. DECISÃO CONFORME A JURISPRUDÊNCIA DESTA CORTE.
REFORMATIO IN PEJUS INDEVIDA. RECURSO ESPECIAL DESPROVIDO.
1. Este Superior Tribunal de Justiça, ao analisar o Convênio 69, de 19.6.1998, concluiu, em síntese, que: (a) a interpretação conjunta dos arts. 2º, III, e 12, VI, da Lei Complementar 87/96 (Lei Kandir) leva ao entendimento de que o ICMS somente pode incidir sobre os serviços de comunicação propriamente ditos, no momento em que são prestados, ou seja, apenas pode incidir sobre a atividade-fim, que é o serviço de comunicação, e não sobre a atividade-meio ou intermediária, que é, por exemplo, a habilitação, a instalação, a disponibilidade, a assinatura, o cadastro de usuário e de equipamento, entre outros serviços. Isso porque, nesse caso, o serviço é considerado preparatório para a consumação do ato de comunicação; (b) o serviço de comunicação propriamente dito, consoante previsto no art. 60 da Lei 9.472/97 (Lei Geral de
Telecomunicações), para fins de incidência de ICMS, é aquele que transmite mensagens, idéias, de modo oneroso; (c) o Direito Tributário consagra o princípio da tipicidade fechada, de maneira que, sem lei expressa, não se pode ampliar os elementos que formam o fato gerador, sob pena de violar o disposto no art. 108, § 1º, do CTN. Assim, não pode o Convênio 69/98 aumentar o campo de incidência do ICMS, porquanto isso somente poderia ser realizado por meio de lei complementar.

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Esse entendimento também é sufragado pela Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça.
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Em uma análise de mínima inteligência, deve incidir ICMS sobre comunicação, e quando ocorrida. Pretender tributar a doação, ato unilateral realizado entre alguém e uma máquina, o acesso ao meio para fazer a doação, o uso do meio de doação, a disponibilização do meio para fazer doação, é de uma falta de sensibilidade social que só mesmo uma ética corroída pelos piores desvios de valores poderia determinar.

terça-feira, agosto 14, 2007

STJ e STF e a inversão de suas funções constitucionais

A razão de existir dos tribunais superiores e do STF reside na expectativa lógico-racional do constituinte de que essas instituições da república democrática seriam capazes de distribuir segurança jurídica ao povo brasileiro.
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Infelizmente assim não o é. Por razões que se nem mesmo vislumbram os Ministros das Cortes encetam seu livre arbítrio contra a função constitucional do STF e dos demais tribunais superiores, ao resolver, sob o manto da liberdade de convencimento, subverter posições jurisprudenciais anteriores que serviriam a dar alguma segurança jurídica ao povo brasileiro.
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A inversão da questão da COFINS, às sociedades de profissões regulamentadas, e a questão do crédito-prêmio de IPI dão o tom da crítica desse que ora escreve que gostaria muito de saber a que e a quem serve a inversão das posições jurisprudenciais tomadas.
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No Brasil há, para cada negócio sério (indústrias, prestadores de serviço, etc.), um advogado, no mínimo, que aconselhe os respectivos administradores.
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Todos esses advogados crêem na função constitucional harmonizadora dos tribunais superiores e do STF, querendo acreditar que os próprios tribunais tomam isso como princípio lógico de sua atuação.
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Mas não é o que se vê! Pelo aparente prazer de causar tumulto nacional e promover a insegurança jurídica, generalizada, alguns Ministros resolvem "rever", "reavaliar", "fazer uma releitura" das posições de "magistrados aposentados", "desalinahdos com as posições atuais", ou "cuja posição, com a devida venia, deva ser revista".
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O único valor constitucional que estes "revisores de jurisprudência" olvidam é que os tribunais superiores e o STF ao julgarem uma contenda, dão a ela a propriedade de jurisprudência uniformizada (pretério-perfeito), de legislação avaliada (pretério-perfeito). Quem deu a estes magistrados o direito de desfazer a uniformação da jurisprudência? Onde está escrito que é função de um Ministro agir contra a função do próprio tribunal?!
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É um erro uma sociedade não cobrar de qualquer dos poderes suas responsabilidades próprias. E é essa a intenção clara do presente texto: cobrar, criticar e relembrar a qualquer magistrado que o leia que existe uma função para os tribunais superiores e para o STF na Constituição.
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Uma atuação com responsabilidade constitucional é o que se espera! Se restar tomada uma posição pela Corte ela ganha autonomia, se desvincula da pessoa dos magistrados que a tomaram e passa consubstanciar ato de exaurimento da função constitucional do tribunal.
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Qualquer ato de subversão contra essa decisão passa a ser um ato isolado de um magistrado contra os valores prescritos constitucionalmente e que restam retratados na segurança jurídica que ela (decisão uniformizadora) trouxe.
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Por fim, fique claro que pouco importa qualquer crítica ao presente texto. É uma verdade insofismável que os tribunais superiores brasileiros não primam pela tradição de suas decisões (COFINS às sociedades de profissões regulamentadas e crédito prêmio de IPI) como fazem os tribunais de outros países que têm nos precedentes de suas cortes a expressão máxima e perfeita do que seja segurança jurídica.

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