Direito Tributário Empresarial

É o presente para arquivar, e a quem interessar tornar disponível, algumas divagações no campo do Direito Tributário Empresarial, da Filosofia e outras áreas afins. Lauro Arthur G. S. Ribeiro - Advogado, Professor Substituto (UFPR - 2005/2006) Correções, críticas, sugestões: lauro.r@gmail.com

segunda-feira, setembro 06, 2004

A inconstitucional anti-seletividade como "regra sem princípio" no ordenamento jurídico brasileiro.

Dizem que a “sabedoria popular”, na minha opinião uma espécie de reflexo do inconsciente coletivo, é insuperável quando na sua simplicidade mostra aquilo que de fato é (Parmênides).
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Havia acabado de discutir com Regiane Binhara Esturílio a seletividade na maneira posta na Constituição Federal (ela acabara de redigir dissertação sobre a matéria) quando escutei os versos de uma popularíssima música de Zeca Pagodinho que questiona: "Você sabe o que é caviar? Nunca vi nem comi eu só ouço falar..."
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Dada a colocação sobre o caviar, e ante minha curiosidade, achei subsídios na dissertação de minha colega que acho pertinentes para discussão pública sobre a matéria.
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Verifica-se da TIPI que a alíquota das conservas de peixes, caviar e sucedâneos é de 5% (posição 16.04) ao passo que a alíquota para a água é de 15% (posição 22.01). A inversão axiológica naquilo que diz respeito à seletividade, comparados estes dois itens, é flagrante!
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Antes parasse a inversão por aí. Casos outros de flagrante anti-seletividade são a comparação do caviar com malte de grãos e cereais (posição 11.07 e mesma alíquota de 5%), cacau e suas preparações (posição 18.06 e mesma alíquota de 5%) e preparações para bebidas – refrigerante e cerveja (posição 22.20 e alíquota de 27% e 40%).
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Tomando por amostra as comparações acima (que fiz em primeira análise por força do ponto de partida da supracitada sabedoria popular e da manifestação artística mencionada) o exegeta já teria seriíssimas dificuldades em ver cumprido o princípio ou regra da seletividade (conforme o entendimento) prevista constitucionalmente.
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Ocorre que para além desse caso, temos outros, ainda mais graves, na legislação, que põem por terra a mínima intenção de entender presente o cumprimento da seletividade por parte do governo federal. É o caso específico da comparação da água (alíquota de 15%), já citada, com a lagosta (posição 0306 com alíquota de 0%), cogumelos e trufas (posição 0712.30.00 com alíquota de 0%), foies gras (posição 0207.34.00 com alíquota de 0%), bem como a alíquota zero para diamantes (posição 71.02), alíquota de 10% para alimentos de cães e gatos (posição 2309.10.00) e cartuchos para pistolas (posição 71.13).
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Portanto, sob a ótica do governo federal, seria essencial que o povo comesse lagostas, foies gras, cogumelos, trufas, desse colares de diamantes, alimentasse seu cão com alimento industrial e utilizasse uma pistola, do que tomasse água! Ou seja, um verdadeiro e escancarado absurdo.
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Traduzamos, então, todos esse fatos em termos jurídicos.
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Tem-se que a doutrina discute, e muito, sobre determinadas disposições constitucionais, tentando “encaixar” raciocínios que permitam concluir por ser uma determinada dicção constante da Constituição Federal uma regra ou um princípio. Tal é o caso da seletividade.
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A colega que me emprestou a dissertação para pesquisa, que citei ao começo do presente divagar, conclui ao final da mesma ser a seletividade uma regra (com o que concordo), do que se conclui, também imediatamente, que todas as inversões vistas na legislação federal e que citei acima são flagrantes ilegalidades que ensejam imediato reparo sob pena de ficarmos suportando seqüentes aumentos da COFINS (sobre a qual não incide a regra da seletividade, mas é um ícone dos aumentos de carga tributária em 2004) em detrimento do aumento de um sem número de alíquotas de produtos não essenciais que estão à alíquota zero (ou próxima de 0%) em nossa legislação tributária.
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São fatos como esses que bem demonstram a completa perda de foco tributário do governo, que opta por criar a sua própria “idéia pública de essencialidade”, qual seja, quanto mais essencial o produto, mais essencial é que se cobre tributo sobre ele.
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Daí porque com razão, sobre a essencialidade, Zeca Pagodinho, que nunca viu, só ouviu falar sobre o caviar.

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